terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Fundamental II ou NDO






     Minhas férias estão sendo ótimas. Minha mãe veio passar uns dias em casa. Além da comidinha de mamãe, made in Piaui, gostosíssima: courinho de leitoa, carne seca pisada, galinha caipira, tapioca... e não engordo de ruim. Pois mamys não me deixa lavar um copo! Férias aqui mesmo em Sampa, o melhor lugar do mundo. Ainda tenho muito que aproveitar.
     Fazendo dos segundos, instantes surreais; viajando com o  papagaio no ar que o vizinho soltava; inalando o cheiro da chuva, lavando minh'alma; vendo pela TV as típicas tragédias, os acidentes na estrada nos feriados; devorando, sorvendo, sentindo, mastigando a ironia redundante do André Sant'Anna; enloquecendo, arrepiando, inebriando com os gritos rasgantes e apoplégicos do Sam Smith: é orgástico, ou seria orgásmico? Só sei que é foda! Ai aquela gay é tudo. E vou fumando na minha área e fazendo a G.H. joguei a bituca na rua, com uma impáfia, de cima de meu sobrado (alugado), comugando comigo mesmo: o ideal humano. Eu que não vou comungar com barata porra nenhuma. E é férias: quando irei ao museu? levar mamys pra conhecer a síntese do mundo, o núcleo: São Paulo, comoção da vida do Mário de Andrade. Minha também. Agora tou enloquecendo, tentando pegar alguma coisa... tanta informação, tanta propaganda. Filtrando, garipando aqui e ali. Esperando minh'alma gêmea que tá vindo em passos de cágado. Silenciando a mim e na rua nem barulho de moto, nem de arruaceiros. Ainda bem que eu não moro nas quebradas da vida! Eu que sou da classe baixa que é alta em estima. Não sou obrigado! Disseram que gosto de música de rico. Oh povo! Que tem a ver gosto musical com classe social? O povo se prende aos estereótipos e acha o máximo. Cansando minha beleza com a programação da TV aberta, ainda bem que tenho de visitar os parentes e fazer o social. Eu que tenho um ar blasé. Sem ter onde cair morta. Mas é férias! Que morte o quê! Quando se está em Sampa que é pulsão de vida. Todo mundo sabe e a inveja por isso. Eu um filho adotado de Sampa. Tou é me cansando de não escrever coisas importantes, que não para mim mesmo. Mas não invejo ninguém, pois fluindo a vida e me deixando ser: vou sendo e já basta. 

domingo, 28 de dezembro de 2014

Pedanteria ou Um Monólogo Bestial



                                                                           Ao som de No More Drama, de Mary J. Blige
   
     É tempo de planejar tudo de novo para o próximo ano. Para a frente, para a frente. O futuro há de ser promissor. "Quem anda pra trás é caranguejo". Oh sabedoria popular. E a voz do povo é a voz de Deus. Dizem. Eu é que não quero viver só um amontoado de dias. lembrando a pessimista expressão de André Sant'Anna. Buscando sempre o novo. Desdobrando-se em busca de mais de mim; experimentando aqui e ali uma ou outra sensação; evitando nadar na própria mente, que é o pior lugar que existe. A vida é bela, é o título de um filme que nunca vi. Eu, que só assisto esses filmes horríveis de humor bestiais da Globo Produções. Mas chega! Viver é mais que isso. Recuso-me a sobreviver. Tenho muita sorte de ter muita coisa, por mais pouco que seja. Independente de ter lido em algum lugar, que alguém pode ser rico, caso tenha outro mais pobre. É tudo tão relativo e incerto nesse século XXI. É só distopia. Caos sobre caos. E há de se ter muita cautela, os tempos são desfavoráveis. "Tá tudo na Bíblia". Dizem os alienados, digo os crentes. Os Iluminados tem plena conciência de como não corrompêr-se às mazelas mundanas. Tinha dito, que não ia nadar na própria mente, e não fiz outra coisa, desde que tou aqui. É só para o ano que vem. Não vai ter moleza não. Vou  ouvir muito Rock que é música de macho. Ouvir Madonna é coisa de ******* falou a mais gay de todas. Vou até aprender as letras do Rebel Heart que vai bombar em 2015. Tá boa! Na boa, vai ser punk. A idade chega com suas cobranças e dores na coluna. Ainda bem que tenho uma profissão, desvalorizada, porém uma bela profissão. Já pensou? eu ali na frente da lousa explicando aos "amados" a literatura, a poesia que há? ali na rua, lá na noite sem estrelas, naquele texto que foi adaptado para o cinema? É só ir com calma, nada de perder a linha, igual eu fiz com meu amigo, que perguntou meu nome em libras. Vai que terei alunos especiais? Arrependerei-me de não ter aprendido Libras. Youtube seu lindo! O pessoal do trampo vai dizer que retornei das férias do mesmo jeito que sai. Vou promover mudanças, só que interiores. Parar de fumar? Não. Que tem a ver desdobrar-se em busca de qualidades com o "cigarro da coragem"?  O TCC vai me consumir demais. Que bom! Nada como apreender algo. Até porque a obra que escolhi é tão hiper-real. Justamente o que busco pra minha vida: entender a realidade, assim como os outros que acham tudo tão familiar. Nada de vazios por preencher. Quantos convites recusados nesse ano? Chá-de-bebês, casamentos, aniversários, baladas, inferninhos... eu disse; "no no no" para tudo. Fiquei curtindo a solidão, fazendo de minha vida um amontoado de segundos infindáveis. Ano que vem farei que nem o Jim Carrey naquele filme que ele diz SIM pra tudo. Ai como é bom viver! Como é bom ser da classe C e poder comprar tudo em cem vezes! Ai eu odeio a tecnologia com esses monte de aplicativo no celular. Eu querendo ler no buzão, e uma fila da puta mexendo num jogo que fazia um barulho irritante. Mais irritante que que o irritável aqui. Que droga isso é coisa que aconteceu esse ano! Ano que vem não mais.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Nuance de Insensatez




      O ano novo será ótimo. Os pedidos essenciais que todos fazem, nem me darei o trabalho de pensar. Não sou de supertições. Nunca estou em sintonia com ninguém. Não sei onde que emperrei. Entretanto, sei que faz tempo que virei um mero espectador da vida e dos outros circundantes. Parece-me que o exterior é completamente alheio em mim. Vivo ao sabor dos desejos mais parcos. Canso-me das pessoas que falam-falam-falam-falam... sempre a mesma coisa. As pessoas são todas iguais, cada uma em suas tribos correspondentes. As pessoas enrraivessem-se à toa e sofrem, sofrem e retornam ao ponto que as fizeram sofrer. A condição  humana é instigante demais. É a contradição do que há de mais contraditório no mundo. São as pessoas, e eu sou uma pessoa totalmente dispensável ao mundo. Todavia persigo a dignidade acima de tudo. É a única coisa que possuo: um nome talvez? um ethos de passividade, já que não me arrisco para não me corromper aos vícios errantes.
        Vou entrar no ano novo com a filosofia OLX. Não quero mais nada de que não preciso. Do que não preciso? Não sei. Só tenho a si mesmo. O telefone não toca; a campainha, só para o vizinho; nas redes sociais, só convites para jogar sei lá o quê. Não sei jogar porra nenhuma, nem pedra na lua. Praga também não jogo. Não quero o mal de nenhum semelhante. E vai que praga retorna? Deve ser os astros a me testarem... gêmeos com ascendente em gêmeos dá nisso: dispersão e dispersão. Razão nenhuma me habita. E não quero mais nada nada, só o sono que tem sido justo comigo. Às vezes ele me traz umas visitações nefastas do nada. E o tempo é a úncia coisa que existe. Para ele fazem canções misteriosas, oferendas, que são o reconhecimento da subordinação que somos a ele. E é ele que me interrompe agora. Vou ser o ser vivente na terra que me guarda.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Coração Rebelde,Mente Sagaz

Numa frase da própria:" eu sou a arte". Eu sei.


        Quando pensamos que Madonna já deu sua contribuição musical ao universo, que não tem mais de onde se tirar uma música realmente boa, eis que ela resurge com Living for love! Tudo é claro acompanhado de muita polêmica. Afinal,ela é o que conhecemos não por ser uma excelente cantora, mas por ser uma artista persistente e acima de tudo, conciente do que é necessário fazer para continuar nos holofotes e no coração dos fãs.
        Há uns dez dias, vazaram duas versões demo de seu novo trabalho. Na semana passada vazaram onze faixas de uma vez. A eterna material girl ficou posseça! Quebrou um ipod e disponibilizou a imagem nas redes sociais, como símbolo de seu coração partido. Pobrezinha! Especulam que, segundo ela, é alguém de sua equipe que está de traíra. Oh really? Inacreditável como alguém tão poderoso como Madge (sou íntimo, posso), se torne vítima de hackers ou traíaras. Uma artista, que já declarou numa entrevista a uma revista portuguesa ser muito matreira.... é difícil não achar que esse vazamento, não seja uma maneira de atrair atenção e lucrar mais e mais. É claro que não é só o lucro que Madge visa, pois suas letras são tão pessoais, que acaba sendo mesmo essa sua atitude, uma maneira certeira de ser quem se é, e ao mesmo tempo, está em sintonia com o mundo mercadológico e competitivo. Se a cultura de celebridades é tão gritante hoje, Madge tem culpa. Madge é uma artista em todos os sentidos: performa eficientemente; chama a atenção das pessoas para causas humanitárias ( colocou o Malawi no mapa); milita a favor dazamiga, ops dos gays; cria refrões tão grudentos que não dar vontade de jogar o chiclete fora; professa uma religião com afinco ( vide trecho do documentário I'm going to tell you a secret); Enfim, Madge não deixa pra ninguém.
      Bem, voltando a falar das faixas que vazaram, algumas tem todo o potencial que uma música de Madge sempre tem: Living for Love, além de cair bem numa pista de dança, ainda conta com  Alicia Keys no piano; Illuminati, mesmo sendo uma versão demo, não finalizada, é daquelas que acaba com a boate, se o dj colocar, as gay deixam o bofe na mão e correm pra arrazar! Rebel Heart é boa, mas fora o vocal de Madonna, é como qualquer outra música house contemporânea. Lembra David Gueta, Avicci (colaborador nesse álbum), enfim, esses produtores mais que em voga em outros trabalhos. Ressalto que as letras Madonna são realmente boas, muitos se identificarão com suas "confissões". Ainda assim, acho que nunca haverá um álbum tão genuino como Ray of light. Music também me leva para outra atmosfera.
      Pois não é que Madge já disponibilizou o álbum para pré-venda! Liberando no i-tunes seis faixas prontinhas aos que comprarem o álbum. Pode-se também,
comprar cada faixa separadamente. Tudo devido aos vazamentos em série. Estratégia mais que certeira: Rebel Heart está em primeiro lugar em vendas de trinta e nove países. Bem na época natalina. Ainda bem que a escolha do primeiro single foi certeira: Living for Love é a música pra balada, pra faxina, pro busão lotado... Magde sempre reverte tudo a seu favor. É uma artista dos palcos, dos negócios, da vida. e do meu rebel heart também. Sempre será.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Criolo: Convoque seu buda

Capa do LP  e CD do Convoque seu buda
       Se “Buda” significa literalmente iluminado, o rapper Criolo através de seu mais recente trabalho Convoque Seu Buda, representa uma tempestade de reflexão e consequentemente iluminação para o povo brasileiro. Não por acaso, o rapper conseguiu o respeito e admiração de feras da MPB, como Chico Buarque e Milton Nascimento. Os primeiros shows do novo disco, tiveram os ingressos esgotados em minutos. Mérito do Kléber e sua sensibilidade e verdade, juntamente de seus colaboradores, produtores e demais envolvidos.

     Convoque Seu Buda é um trabalho no mesmo estilo do seu antecessor Nó na Orelha, porém melhor, na minha humilde opinião. Por quê? Como não curto rap puramente, o que me instigou em Criolo foram suas letras, Não Existe Amor em SP, fisgou-me à primeira ouvida. Ou seja, não é um rap e sim uma “anti- balada” com sonoridade e letra tipicamente urbana. Mais precisamente, sobre o caos urbano, que nos enquadra, engole, nos faz de reféns. Bem, o melhor desse novo trabalho são as múltiplas sonoridades, que mostram toda a versatilidade de Criolo e, o quanto o mesmo se sai bem fora do que seria sua zona de conforto: o rap, que também consta nesse registro, e certamente agradará os fãs de longa data do artista. Quando Criolo adentra outros territórios, o resultado é magnífico. Em Pegue Pra Ela, o artista finca os pés no Nordeste, embalando um delicioso baião à la Alceu Valença, com as vogais abertas (herança nordestina) ele cantarola : “ Toda cultura vira comércio / É o ponto de degradação. Então, se pra cada ponto, processo./ E cada processo uma ação.” Uma das melhores desse álbum. Dar até pra arriscar uns passos, eh forrozinho bom!
      Muito do que Criolo canta (conta) nesse álbum, corresponde aos últimos acontecimentos ocorridos em SP. Protestos nas ruas, “torneira sem água”, ocupação do espaço público por viciados (novo problema velho ou o inverso) entre outros. Tiveram até más línguas que dispararam  que Criolo só faz músicas sobre SP, o que não é verdade. Na já citada Pegue Pra Ela, temos uma homenagem à cultura musical nordestina. Na faixa Esquiva da Esgrima, Criolo entrega suas raízes nos versos: “ É  que eu sou fii de cearense / A caatinga castiga e meu povo tem sangue quente". Como me atento ao sotaque, notei que nessa faixa a palavra “inferno” é pronunciada com o “r” tepe e não o “r” brando típico da pronúncia paulistana. Mas, em questão de acontecimentos paulistas, uma das paralizações ocasionou a Criolo a composição de um samba: Fermento pra Massa, feito a pedido de sua mãe. Com a greve de transportes o  padeiro, assim como muitos peões não conseguiram chegar no trabalho. Resultado: no lar de Criolo restaram os pães murchos do dia anterior. Nessa letra, convergem o humor e a crítica ácida ao sistema político e socioeconômico brasileiro. Toda a letra é um retrato das mazelas sociais, ancoradas aqui nas metáforas da farinha ou massa do pão. Cujo verso que mais me instigou foi: Sonho é um doce difícil de conquistar/ seu padeiro quer uma casa pra morar. Isto é, o sonho denota o doce, impossibilitado pela greve e, no verso seguinte assume sentido conotativo: o sonho da casa própria. Sonho de padeiros e afins, da massa, da qual me incluo. (baixou a Raquel Sheharazade) fazer o quê?

      Daria para explanar sobre outras faixas, como Cartão de Vizitas, que tem a participação de Tulipa Ruiz nos vocais, e também tem uma sonoridade bem “pop”, entretanto resguardo-me ao direito de ficar por aqui. Espero que ouçam Criolo, e passem a enxergar o meio em que vivemos, com a mesma perspicácia que o rapper expõe em suas músicas. É uma experiência iluminadora em muitos sentidos. 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Um Gozo de Leitura

Adeus a Aleto = Olá! Boa literatura.
       Sempre tentando me interar,  sobre bons autores literários da contemporaneidade, eis que esbarro em Roberto Muniz Dias. Primeiramente, o que me atraiu a lê-lo foi o flerte com a temática homoafetiva, também gostei do título de seu primeiro romance: Adeus a Aleto. Adquiri a obra, entretanto, o  adeus do título resultou numa experiência tão fascinante quanto perturbadora.
       Adeus a Aleto é uma obra difícil para leitores medianos. Uma porque não se restringe à temática homoafetiva, como imaginei. Outra, a obra não apresenta uma linearidade, tampouco é claro o que foi vivido pelo narrador, quanto o que apenas imaginado. Senti-me lendo um romance dentro da técnica e estilo clariceano. Certamente uma das influências de Roberto Muniz Dias. Curiosamente, lembra muito Perto do Coração Selvagem por duas razões: uma pelo fato do narrador relembrar sua infância, quando nasceu a paixão por livros, ocorrida pela traquinagem do roubo de marca-textos. No romance clariceano, Joana rouba um livro sem o menor arrependimento. Outro detalhe “coincidente” é que Joana adulta revive “o fio da infância”; em Adeus a Aleto, o narrador rememora os mais remotos acontecimentos, as descobertas do dom para a fabulação, a descoberta do sexo, etc.

       Outra razão que faz com que Adeus a Aleto não seja tão palatável, é o resgate trazido pelo narrador, de obras clássicas literárias, intercalando a criação literária deste,  com citações, devidamente aspeadas, de tragédias gregas de Ésquilo. Há também menções a clássicos como Otelo, A Divina Comédia, cujo contato, fez com que o narrador de Adeus a Aleto, repensasse a noção de belo e seu oposto. Aliás, uma das tônicas desse romance é a obsessão do narrador por Nikov, um enigmático russo, descrito detalhadamente e de forma poética, como um Deus grego. Até mesmo os impulsos sexuais do narrador, são relatados com uma sublimação que torna o ato sexual num ritual de contemplação e torpor. Muito além, da selvageria que uma entrega homoafetiva masculina costumeiramente significa. Como atesta Nikov, sobre a literatura do escritor: “Sua poesia me fez gozar.” Sim, o narrador dessa estória é escritor, e vive atormentado pelos seus personagens, tanto que tira-lhes a vida, já que sua intuição literária, não limita-se ao seu “ele mesmo”. Assim como Fernando Pessoa, esse escritor também decidiu criar heterônimos, pois suas primeiras estórias, eram limitadas pelos “eufemismos”. Precisava de mais liberdade para criar e também dar fim a seus personagens.
       Muito mais que narrar experiências em cidades como Amsterdã e Paris. Bem mais que relatar aventuras excitantes com poesia, ou simples copulação. Adeus a Aleto constitui-se, de resquícios de um passado marcante; da força das obras clássicas que definiram o homem, com tanta eficiência, que o que vemos hoje já não nos impressiona. E claro, da capacidade de criar, modificar-se, pela linguagem, buscando a poesia, mesmo abdicando de eufemismos e dando um toque de realidade ao que se imagina e se quer criar. Imagino, logo vivo. Nada mal para um autor, ainda, pouco conhecido como o piauiense Roberto Muniz Dias.


domingo, 30 de novembro de 2014

Ossos de Uma Escritura



Marcelino Freire e seu romance de estreia: Nossos Ossos


       O primeiro romance do escritor Marcelino Freire, Nossos Ossos, segue o mesmo estilo dos contos desse autor. Tanto na escolha das personagens, a temática, quanto no emprego de recursos, como a rima dentro da prosa, etc. Essa obra, chamada por Marcelino de prosa longa, é na verdade um trabalho pungente, bem estruturado e que não resume-se ao teor da estória, assim como a boa obra literária deve ser.
       Nossos Ossos, constitue mais um daqueles casos, em que se misturam ficção e realidade. O que é facilmente percebido, para quem já leu Marcelino e conhece um  pouco sua tragetória. O narrador de Nossos Ossos, é um dramaturgo bem sucedido, que recorre aos serviços de michês, e fica extremamente abalado com o assassinato de um deles, ao qual sentia alguma feição. Sabendo então, das parcas condições em que o "boy" vivia, decide levar o corpo para ser enterrado em sua terra natal: o  Nordeste. Mais precisamente, numa cidade do mesmo Estado seu: Pernambuco. O protagonista Heleno, é de Sertânia, o boy, de Poço do Boi. Eis aí um jogo linguístico, típico da prosa freiriana. 
       Essa "prosa longa" não se limita a relatar o submundo noturno de uma metrópole, com seus inferninhos, frequentadores e afins, Heleno de Gusmão, o protagonista, evoca lembranças desde a mais tenra infância, em que uma das brincadeiras com seus irmãos, era desenterrar ossos no quintal de casa. Os mais variados tipos de fósseis, restos da humanidade, armaduras de guerreiros. Como o começo e o fim de uma jornada heróica, Heleno criança desenterrava, o adulto devolvia ao solo, os ossos (do boy), que outrora, lhe proporcionara os prazeres da carne. Puro prazer sexual, intuito de quem contrata profissionais dessa área: "como todo sexo bom deve ser, feito aquele que fazíamos, sem sentimento." (pag. 54). 
        A vida desse herói, Heleno de Gusmão, é contada com uma sensiblidade aflorada, através de uma verborragia que expõe os ossos da narrativa, e também na narrativa. Nossos ossos do ofício, que são os dissabores por quais passamos. Essa narrativa, retrata a vida de muitos nordestinos que buscam sobreviver e se libertar dos medos, desabrochar através da arte. Arte, algo mais comum na categoria LGBT. Algo que encontra lugar, mesmo as duras penas, na cidade grande, e como sempre é São Paulo que acolhe tudo e a todos. É a sina de quem deseja experimentar a vida, em todos os sentidos. Esse fator, certamente contribui para o acolhimento da obra, o reconhecimento do leitor na narrativa. Há de se ressaltar, que Nossos Ossos, constitui-se de uma epopéia fúnebre, onde as impressões do mundo-cão percebido por Heleno, são narradas com um lirismo arrebatador. 
         Se Marcelino Freire já goza de certo prestígio na literatura brasileira, já foi agraciado em várias premiações, tendo suas obras analisadas por acadêmicos, isso é devido a sua eficiente maneira de retratar as angústias e os sabores, os mais diversos dissabores por quais passam os descentralizados da sociedade. É esse olhar visceral da metrópole, com suas mazelas e o mal necessário que nos sustenta, que Marcelino expõe e comove o leitor. Nossos Ossos, com sua poética e final surpreendente é leitura obrigatória.
   

domingo, 23 de novembro de 2014

Weirdo



       Entro na loja,olho as ofertas, reolho... nada do que preciso. Tanta coisa útil pra fazer e eu a sucumbir a impulsos consumistas. Como as mulheres, que possuem o guarda-roupa abarrotado, e exclamam: não tenho nada para vestir! Enchi-me de nada. Aliás de tudo. Farto de tudo. Dos impostos, das filas dos bancos, supermercados, pra tudo tem fila, inclusive pra morte. Pra morrer, de modo generalizante, não sentimos a mesma impaciência de aguardar na fila: morre-se a qualquer segundo, basta um desastre orquestrado pela falha, que faz parte de nossa condição. Condição que herdamos do macrocosmo, sendo microcosmo que somos. 
      Então, agora, estou com um café fraco, um cigarro apagado, um livro por começar a ler... sendo copiosamente obrigado a ser eu mesmo. Prostrado como um pária. Um inútil. Vi filmes que não tenho a menor ideia de para quem falar deles. Eu. "você não sabe nem se expressar". Disseram-me. Nunca esqueci. A mesma pessoa disse-me: "aqui nessa indústria vital, ninguém é amigo. É tudo fachada." Eu, o Macabéo. Só sei mesmo é apreciar a entrega à vida, que os bem resolvidos, nessa terra expõem. É tudo tão familiar aos outros... Os significados atribuidos a qualquer coisas são aceitos numa boa. Quase ninguém questiona nada. É. Ficou pra ser assim. Cresci ouvindo coisas desse tipo. E não é nada confortável está na pele de quem não entende. "Se eu entender estou errando". "Entender é a prova do erro." Concordo em tudo que essas duas frases exprime. Se entendo, é porque errei ou errei porque sou imperfeito. Afinal pra que querer a perfeição? Já que, por aqui todo mundo (quase) erra pra caramba, porque há um ser supremo (????????????) que tudo perdoa. É cômodo demais isso, digo viver acreditando nisso. Eu, literalmente, não existe para estes. 
       A professora do ensino médio, há uns quinze anos atrás, dissera: "uns 99% das coisas não presta ou não gostamos". Por que isso me veio a mente? Oh fossa em que me encontro! Pudera fazer tudo diferente. É uma necessidade. Tou é farto da minha falta de "lirismo comedido". Bakhtin a culpa é toda sua. Você e esse seu dialogismo,  é que me faz lembrar de poemas, outros discursos seculares e afins. Melhor assim, ainda bem que os discursos ultrapassaram o jardim do Éden. Eu que não queria conversar com o Adão, com a Eva, com a serpente (cruzes)... ficar só comendo as frutas, a do conhecimento eu como bastante. Pra que me serve esse conhecimento? Não faço a menor ideia... basta ver o agora: tou obrigado a ser "penosamente" eu mesmo. Não que eu queria ser outra pessoa, isso não tem lógica. Mesmo quando esse corpo se for, a essência eduardiana soprará noutro. Resolverei meus infinitos carmas, até... entrar no nirvana, que não é aquela banda, é outra coisa mais importante. Poucos sabem, por enquanto. Sou otimista.
     

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Uma Deliciosa e Letal Narrativa



     O livro O Clube dos Anjos, de Luis Fernando Veríssimo, faz parte da coleção Plenos Pecados da editora Objetiva. Foram escalados sete autores, e a cada um deles, foi dada a tarefa de escrever sobre um dos sete pecados capitais. Para Luiz Fernando Veríssimo destinaram o pecado da gula. O resultado foi uma narrativa tão prazerosa, como é a sensação de se comer algo delicioso. A leitura com sua trama ágil, e com um aparente mistério, é um convite à reflexão sobre vários aspectos da humanidade. Tudo contado com o humor peculiar da prosa desse autor contemporãneo. 
      A história é narrada por Daniel, que relembra como ele e mais nove amigos, todos com um apetite insaciável, fundaram o Clube do Picadinho, clube este que tinha como "missão"  saborear o picadinho do bar do Alberi. Conforme os membros do clube foram crescendo, cada um com certo talento para o fracasso pessoal e proficional, as reuniões do clube para celebrar seu prazer maior, foram se tornando mais sérias, sofisticadas até. Isso porque um dos integrantes do clube, Ramos, apresentou aos demais, vários pratos finos, como "Canard à l'orange, boeuf bourguignon,etc. Os jantares,sempre na casa de um dos membros, era um verdadeiro ritual, onde celebravam o desejo, sempre reincidente, de comer e comer. Celebravam seus fracassos e a ostentação do apetite. Ramos, o mais requintado de todos, recitava trechos do Rei lear, de Shakespeare, para ele Shakespeare e cordeiro com molho de menta, eram as únicas contribuições da Inglaterra para a civilização ocidental. O restante do grupo ouvia seu discurso com admiração.
    Para o abalo do clube, Ramos morre, em decorrência da Aids. Os jantares suntuosos, perdem o anfitrião e todos ficam receosos a fazerem novos jantares. Entretanto, Daniel, o narrador-personagem, conhece Lucídio, que se dispõe a ouví-lo contar sua história do clube do picadinho. Lucidio é descrito com um certo mistério, provocando até calafrios em leitores mais sensíveis. Ele, prepara uma omelete a Daniel, e fisga-lhe, obviamente pelo seu ponto fraco: a gula; Se oferece para cozinhar para o grupo, mostrando de maneira subliminar, conhecer algumas coisas a respeito do clube do picadinho e seus gulosos membros. Ainda receosos pelo desconhecido Lucídio, e em respeito ao falecido Ramos, decidem reunir o clube num jantar. No final do jantar o cozinheiro anuncia ter sobrado uma porção. Aquele que se dispõe a comê-la, morre em poucas horas. Logo na segunda morte, eles ficam desconfiados, pela tragédia ter ocorrido sempre após o farto jantar. Isso, não os impede de realizarem os próximos jantares, ao contrário, ficam excitados em saborear um prato feito por tão caprichoso cozinheiro. Este, sempre seguindo a tática da porção final. Mesmo alertados pelos familiares, os membros, que por enquanto ainda existiam, vivem criando hipóteses, sobre quais seriam as razões do plano diabólico de Lucídio de acabar com os membros do clube do picadinho. Fato que só fazia aumentar o desejo de saborear as iguarias requintadas. Seria vingança? Vingando o quê? E  quem? 
    Essa narrativa transcorre facilmente, ao leitor, logo é mostrado ser Lucídio, o autor das mortes. o trunfo dessa obra, é a construção de uma narrativa ágil, que estimula nossos sentidos, para sentir as várias formas de viver e saborear não só o que é degustável, mas os desejos de cada um dos personagens, com suas diferenças, tão humanas. Da erudição de Ramos, ao talento para a escrita do narrador-personagem Daniel; a sordidez de Samuel; a sagacidade de Kid Chocolate, entre os demais, que se entregaram ao prazer que nunca acaba, e que acabara com eles, ficando só Daniel pra contar a história. 

P.S. Agora tenho que ler Rei lear de Shakespeare, para entender melhor os vários atos dessa peça intercalarem essa narrativa.

domingo, 9 de novembro de 2014

Spiritual Boy


       Sim, desde os primórdios procurei a proteção de alguma divindade. Aliás, seria quase impossível não encontrar, quando se nasce e se é criado num povoado católico ao extremo. Lá todos sabiam os dias dos santos, inclusive o nome do povoado, era de um deles. Nas missas o hino do santo padroeiro é cantado com um fervor imensurável. Povoado pequeno de grande maioria católica, seguir outra vertente cristã, diga-se: evangélico, não se é de bom grado. Imagine uma religião não cristã. Um tradicionalismo, um apego a terra e seus costumes antiquíssimos, são características imexíveis para esses habitantes. As modernidades vistas pela TV e redes sociais, não altera em quase nada a mentalidade dos habitantes. Embora isso lá tenha seus pontos positivos, pois muitos dos conteúdos e ideologias propagadas não são de grande valor mesmo.
     Bem, religião, com o passar das décadas fui desgostando dessa palavra. As inúmeras subdivisões das igrejas, mesmo sendo o objeto de devoção das mesmas um só, paira no ar a questão: porque se o objeto de fé é o mesmo, e esse mesmo objeto é analisado através de semelhante escrito, a Bíblia sagrada, qual a razão de que numa doutrina não se é permitido um padre casar? Noutra não se pode fazer transfusão de sangue? noutra as"servas" usam aquelas saias horríveis até a sola do pé? E quando usam saia até o joelho calçando um tênis? É o cúmulo do mal gosto! Tantas sandálias rasteirinhas bonitas, melissas... oh breguice!  Ainda bem que Alexander Mcqueen não habita mais nesse plano. Ele teria uma síncope se visse isso. Sim, essas crendices cristãs me dão nos nervos. Não pode isso, nem aquilo, mão naquilo, aquilo sabe-se lá onde... por isso se vê o que acontece por trás dos altares. Vê-se também a hipocrisia de muitos que se dizem crentes, que são pretensiosos até o último fio de cabelo. O homem pode é abraçar essas religiões, que não consegue escapar da sua condição de fraco e imperfeito. Daí o dizer: a carne é fraca. Mas e a alma? A esta resta, carregar a dor por ter sucumbido a sua maldade inerente.
       Uma muito conhecida minha, quase parente, ficou estarrecida ao saber que larguei o cristianismo. Ela, devido a muitas provações, entregou-se a Cristo de corpo, alma, cabelo e maquiagem. Gosto muito dela. Mas eu já nasci desobedendo os padrões impostos e tão compreensíveis por todos. Todos do meu povoado. Eu, o renegado, um marginal. Salvo por uma falsa inteligência. É só o que tenho: uma sensibilidade a flor da pele, mas que porta um abismo no lugar de um coração. Passei a embarcar noutras filosofias, que não as cristãs. Como um jovem praticante dissera: de Deus, retire o D e o S. Pois é exatamente nas letras que restou, que passei a nortear minhas atitudes para o próprio bem e o de todos. Do contrário seria egoísmo. O que não é bom. Não estabelece um vínculo recíproco com o outro. Altruísmo é reconhecer a dignidade de todos, já que somos formados da mesma matéria, e voltaremos ao pó. De cinzas, que eu que não quero ser enterrado pra terra me roer até os cabelos, como naquele poema do Augusto dos Anjos. Quero a iluminação de um Buda. Ei de manifestar o meu estado de Buda.Tenho que evitar ao máximo expressar minha ira, é tão de mim perder a linha porque qualquer bobagem. Mentalizarei o mantra da iluminação, sempre que uma ameaça der os primeiros indícios. 

domingo, 26 de outubro de 2014

Piada pra quê?

     Hoje é mais um dia histórico para o nosso país, devido às eleições para presidente. Desde o começo das campanhas políticas, uma coisa (na verdade várias) desvia o foco da verdadeira dimensão que a política deveria tomar: escândalos de corrupção que surgem à tona; candidatos nanicos se mostram como defensores primordialmente, de causas próprias, a ponto de ofenderem em público quem não compartilhe com tais causas defendidas. E o mais decepcionante é a vocação que muitos brasileiros tem de fazer piada, diante de assunto tão sério que é a política.
      É lamentável assistir aos debates e ver somente trocas de acusações, proferidas entre sorrisos sarcásticos e frases decoradas, pausas, discursos técnicos, etc. Tem-se a impressão que o debate serve para comparar em qual governo houve mais corrupção. Acaba sendo algo bem comum na humanidade: Eu erro, mas você também errou e muito. Convencionou-se, que é muito fácil perder-se nos meandros da política. Quantas vezes não ouvimos: “ fulano rouba, mas faz.” Essa eleição deu, e ainda vai dar muito o que falar. Nunca nosso país esteve tão dividido. Em meio a tanta divergência, e todo o gás que as pessoas colocam, dar vontade de ir lá pra Pasárgada, ser amigo do rei e ter um boy -... ops, eu quis dizer alguém a disposição. Desculpe Bandeira, pela minha sórdida adaptação de tão belos versos.
      As redes sociais se transformaram num verdadeiro campo de batalha ideológica. O velho combate direita versus esquerda. Lógico que todo mundo, tem o direito à livre expressão do pensamento. O problema é que muitos não expressam de forma respeitosa. Não é preciso nenhum candidato cometer gafes, pra surgir na internet as mais absurdas montagens depreciativas. Soou redundante? Redundante é o humor do povo brasileiro. Um humor que lança mão dos piores impropérios. Não é preciso ser uma pessoa culta, estudada para cultivar uma boa leitura de mundo. O fato é que o humor veiculado na TV e os que pipocam nas redes sociais, subestimam a inteligência do povo brasileiro.
       Comecei falando de política e cai justamente na esfera educativa. Como é sabido por todos, ela é o grande problema do Brasil: resultados pífios, quando comparados a outros países. Só a educação privada (privilégio de poucos) é eficiente. Espero que quem vença essa eleição, olhe com o compromisso de melhorar, a nossa educação. Para que não tenhamos tanta desigualdade, às custas de meios ilícitos que tanto mancham a imagem de nosso país. Parece utopia? E é mesmo, afinal uma coisa bem celebrada é o famoso “jeitinho brasileiro” e o que mais tem me incomodado: tudo é motivo pra zoeira alienante das mentes deturpadas. Todo esforço que educadores fazem, para que as pessoas não caiam nos golpes midiáticos não surtem o efeito esperado. Eu quereria, quero na verdade, um povo verdadeiramente educado e mais comprometido com o crescimento do país. E não é por meio de ofensas virtuais, nem presenciais (vaias e afins)  que se luta por mais igualdade socioeconômica.

      

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Testemundo



A Arte é o que resta.
O que não existia a Arte criará.
Por mentes e mãos que fenecerão.
Só a Arte ficará.
O que não havia ao mundo surgirá,
Em reflexos e cores sabores além mar.
Toda matéria de vida à Arte servirá.
Amores e dores, armas e flores.
O caos e os louvores.
A paz e a guerra só à Arte servirá.
A Arte transcende as vãs existências.
Ela se mostra primeiro?
Sim, à alguns.
A Arte acompanha à rotação da terra.
Artistas e os comuns na fila girando.
A Arte é o cosmo, nós um grão de pó.
Tudo é Arte e tudo é bélico.
A Arte é o elixir da existência.
A extensão da vida.
É a morte na Rosa de Hiroshima.
Também da seca sudestina restará à Arte.
Da solidão só resta a Arte.
Também minhas lágrimas,
Brotarão de minha'rte de viver.





domingo, 28 de setembro de 2014

Inconstância do começo ao fim



Ai, palavras, ai palavras,
Que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
Sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!

     Cecília Meireles

       Falamos, falais. Falamos mais que tudo. Somos linguagem. Linguagem verbal e não verbal. Se expresse! Seja você mesmo! Já ordenava Madonna em sua fase mais dominadora. De tanta se expressar de todas as maneiras hoje tá bilionária. Esta soube e sabe muito bem usar as palavras. Os vocábulos medo e limite,  creio que ela não conhece. Eis  ai uma pessoa admirável! Ativíssima. E ainda profere uma religiosidade e faz orações a God antes de entrar no palco e mandar todo mundo se foder. Fico me perguntando como alguém tão destemida  diz-se adepta de uma fé cristã. Na minha ignorância fé é pra quem não tem em que se agarrar. É para os desfavorecidos , reféns do capitalismo e suas disparidades. Quem ocupa o topo da pirâmide e só pelo conjunto de sua obra tem a vida ganha até a quarta reencarnação, tem mais é que ser prático. Poder é concreto. O sobrenatural é abstrato, é fruto da imaginação, ou melhor, da falta dela. Só se atribui ao sobrenatural ou ao divino aquilo que não se pode explicar. Mas aí existem as palavras, carregadas de significação... 
        Afirmações, negativas, suposições, ironias enfim tantas mais tantas maneiras de utilizar as palavras... e,  há canções de amor e de escárnio. As de escárnio nos últimos anos viraram o funk. Trash trash trash. Na verdade nem chega a ser escárnio porque as do funk são vazias de sentido e são de um minimalismo bestial. Foi até ofensivo essa comparação. E onde quero chegar com tanta falação? Nem sou de falar muito. Minha chefe dissera-me: você tem que falar mais. Você já foi ao fono?  Você trabalha muito na sua. Não é bom viu? E também não é bom no âmbito sentimental.  Mal sabe ela que às vezes não sei usar as palavras certas quando devo. Ou melhor, acho que sei. Já que seleciono tanta coisa, ao passo que todo mundo familiariza-se rapidamente com o mundo e consequentemente com as palavras. Quantas vezes já falei o que não devia. Magoei pessoas: as palavras saíram tão bruscas que valeram por uma bofetada. Não tenho culpa se minha maldade latente excedeu nas palavras. E quando minha estupidez se manifesta as lágrimas descem, ou seja, só quando for comigo, eu que não tenho orgulho nenhum de ser imperfeito. Tudo ao redor é imperfeito e há muita cultura inútil, como esse texto.
        Bem, mas como eu ia dizendo, usamos tantas palavras. Palavras é o que existe de mais concreto na terra. E o que não existe passa a existir porque tem a palavra designadora. Teriam as palavras mais poder do que quem as profere? Palavras são inerentes aos falantes (daaaaã) Digo, daqueles que vivem de usar as palavras com intenções de domínios opressores, depreciativos, que reduzem os receptores a rélis necessitados  de um lugar no mundo, mesmo que seja na condição  de dominado. Os charlatães sabem usar as palavras, os ingênuos só sabem ouvir e viram objetos das palavras que ouviram.  Que o diga a Macabéa  de A Hora da Estrela. Esta, apaixonou-se pela palavra efeméride. E quando foi à cartomante ouviu previsões de um futuro promissor e acabou atropelada, com toda a glória que é o “privilégio”de ser atropelada por um Mercedez.  E por que falei no começo em fé? Ah lembrei, é que isso  também é uma questão de palavra. A fé é uma palavra, assim como qualquer objeto de fé também é só palavra. Quantos dizem: a palavra de Deus. Aliás, Deus é só uma força de expressão, qualquer pessoa profere: “Deus lhe pague”. “Vá com Deus”. “Graças a Deus”.    As palavras sagradas. E o que são os mantras? São palavras com significados promissores e libertadores.  Eu também creio em palavras. E amo as palavras, mesmo concordando com a doce Bess do filme Ondas do destino que num desespero arrepiante, irrompe um sermão religioso e desabafa para o clérigo hipócrita, machista e opressor algo mais ou menos como: - “ eu não entendo, como pode-se amar uma palavra? Uma pessoa pode amar outra pessoa, não uma palavra.” Pois é, as palavras tem um grande poder nas mãos de quem sabe usar. Seja lá pra qual fim. O fim.
    

    




domingo, 24 de agosto de 2014

O Homem-Coisas


         Vivemos sob uma avalanche de propagandas. Elas estão em tudo e em todos os lugares. São os demorados intervalos comerciais televisivos; os vendedores ambulantes que bradam a plenos pulmões, oferecendo qualquer mercadoria; os carros que andam anunciando produtos com moças rebolando à la Panicat; os homens-placas que ficam na rua, faça sol ou faça chuva. E mais mil e uma maneiras de divulgação e estímulo ao consumismo. Ainda mais em tempos de vacas magras como nos últimos anos.                                                                                                         A programação da TV aberta, excluindo os telejornais já não é grande coisa, e tudo piora, quando são mostrados os anúncios publicitários. Com alguma celebridade é claro! Algumas campanhas não são nada criativas, o apelo fica por conta da tal celebridade que esbanja algum carisma, podendo provocar a curiosidade do telespectador-consumidor em experimentar o produto. Sem contar no merchandising básico que se infiltra sem a menor coerência no texto da telenovela. Tem aqueles programas "super educativos", como o Big Brother Brasil, cuja fórmula é: mediocridade, apelação e publicidade. Na emissora em que é exibido esse reality, os programas com conteúdo relevante são transmitidos após a meia-noite ou bem cedinho. Vide programas como o recente Como será? apresentado por Sandra Annenberg ou a série Na moral comandada por Pedro Bial, cuja temporada desse ano já terminou.  São exibidos em horários em que o cidadão, o peão no meu caso, está ou dormindo ou já a caminho do trabalho.
        No dia a dia do povão a coisa é mais intensa. Quem sabe faz ao vivo, já diz aquele apresentador falastrão. No comércio de rua vendedores ambulantes dominam pontos de ônibus, famosas ruas de comércio popular, e transformam esses ambientes numa campanha publicitária ao vivo, com tudo que o "ao vivo" acarreta: improviso, imediatismo e criatividade forçada. Ouço coisas do tipo: -água de Lindóia. Se não tomar fica na nóia. Ou: - au au au pururuca é um real. Ou: - Sufrér da Nestrê é três, dois é cinco.Há ainda os puxadores de lojas e restaurantes, alguns intimam: -vai almoçar ou vai ver jeans? -Serve-serve é só aqui! Por apenas 6,99 R$. Alguns chegam ao ponto de empurrar o produto na cara do cidadão! Este, está cansado do trampo e não ver a hora de entrar na condução. O subemprego é um problema social que precisa ser reparado. Alô presidenciáveis?!
          E o que dizer dos trabalhadores que ficam de pé horas a fio, segurando uma placa de vende-se? Ou a esbelta moça a sorrir, em frente a loja em que trabalha,  metida num lindo vestido de noiva? Esta última, ao contrário dos homens-placas, são notadas pelos transeuntes. Mesmo assim, imagino a eternidade que são os segundos para ela alí, feito uma estátua sorridente. Tem que sorrir, é claro! Ela está ali para mostrar o sonho de toda mulher.É o que dirá seu patrão.  Será que compensa os seus vencimentos? E os homens-placas, e os panfleteiros? indivíduos fadados à invisibilidade de quem passa por eles. Sei que esse serviço lhes confere dignidade. Entretanto, é sabido que é uma tarefa que não proporciona nenhum desenvolvimento, do potencial que o ser humano pode, e deve despertar.
          Acredito que essa explosão propagandística seja um retrocesso da humanidade. O lema de nossos dias é basicamente: Compre, logo exista. Parafraseando Descartes. Consumir e consumir o que nem se precisa. O que só provoca felicidade momentãnea. Viver está além de qualquer Etiqueta famosa, de qualquer "ostentação", a famigerada palavra que se apodera dos nossos jovens, ao invés de valores humanísticos. No dia em que a sociedade olhar para coisas essenciais à nossa vida, o mundo será mais digno de se viver. As pessoas não vão se preocupar se tem ou não o celular de última geração, ou o tênis Puma Disc, que mais parece um tênis-relógio que não dá hora. É lamentável constatar tantas disparidades no nosso país, como o subemprego. A saúde e educação totalmente deficitárias, ao passo que tentam empurrar os indivíduos para consumir mais e mais, através de inúmeras maneiras de divulgar um produto. Além de oferecer-lhes, limite de crédito que enriquecem mais e mais os bancos. 


domingo, 3 de agosto de 2014

Penar Imaginado



Até quando continuar revivendo?
Até quando ficar inerte à vida que corre?
Meramente como espectador da própria existência.
Quantas vãs tentativas de afirmação.
Tantas foram as tentativas de agarrar-se à vida.
E tantas, muitas frustrações.
Contam-se nos dedos os momentos de alegria compartilhada.
Quanto fel escorre de meus recônditos.
Quanto asco diante da mais "besta e vã alegria".
E tanta repugnãncia a tudo que não tenho.
E quanta precaução a tudo e a todos.
Por que só vivo depois que aconteço?
Por que sou só saudade e não atitude?
Pra quem deixarei minha miséria?
O que deixarei de miséria?
Mas do que adianta apenas sobreviver?
Sábia mãe que disse: - você tem dois braços e duas pernas.
E até hoje o que fiz foi meu melhor?
Contentando-me com os erros não cometidos.
Seguro morreu de velho, dizem.
Mas quem vive mais?
Quem mais vive ou quem melhor vive?
Continuo à deriva de mim e de tudo.
Pra quem farei essas toscas perguntas?
Até quando olhar para o nada?





sexta-feira, 25 de julho de 2014

Paranóico- Hiperbólico

Ah Clarice! Encorajai-me.
          Há dias que não vejo o menino do ônibus. Será que não trabalha mais no mesmo bairro que eu? Tá cada vez mais difícil parar de pensar nele. Não faço mais nada direito. Fui abduzido por um ser inter-galático que habita em mim e cordena minhas sinapses. Os dias passam, passam lentamente. Tamanho é o peso da insignificância. Mas, vou indo. Lá pra Baixa da égua, que é o lugar dos desgarrados e lunáticos. E velho ainda por cima. Trinta e seis anos nos couros e paixonites adolescentes! Vai se lascar meu!  
          Vou indo. E pra compensar o meu pesar obsessivo acabei sucumbindo a pequenos prazeres destrutivos. Eufemismos à parte, não são nada pequenos. Estão mais pra hiperbólicos. Hoje mesmo, depois de trabalhar incansavelmente, só na intensão , que a noite chegasse logo. É na volta para casa que posso pegar o mesmo ônibus que Ele. Hoje passei o dia à base de café e chá-mate. Copos e mais copos. Outro dia, não aguentei e pedi pra levar a mochila dele, já que consegui sentar no ônibus. Quando ele também consegui sentar ele disse-me: - Amigo, me dê que eu levo, obrigado. E eu não consegui levantar a cabeça. Fiquei todos os tons de vermelho possíveis. As cores de Almodovar e da frida Kahlo ficam apagadas perto do meu embaraço. Nem pra eu ser "tímida e ousada ao mesmo tempo" igual a Clarice Lispector. Esta sim ,me entenderia. 
           Então, já que vai ser um fim-de-semana-de merda, fiz uma pequena extravagância barata: comprei um pacote com dez maços de cigarros; seis sacos de Fofura, aquele salgadinho dos infernos; quatro caixas de chocolates Garoto, já que o Garoto que eu gosto, sabe que lá a que universo pertence. E mais quatro Pepsi de um litro; E quatro cervejas... Em pensar que outro dia ele sentou ao meu lado e eu, num desespero do caralho, comi cinco bombons Lacta em seguida. Ele deve ter pensado: esse tá com fome demais... mas minhas orelhas queimaram. Ele deve ter percebido isso. Ainda falo novamente com ele! Ah se falarei, quando puder! Enquanto não souber, não desistirei de saber qual é a dele. A minha eu sempre soube. Mas tenho focado muito na carreira. Que carreira? A de sobrevivente. Sim, é claro. Mas quero muito ouvir a voz dele. 

domingo, 13 de julho de 2014

O Canarinho Voou

I'm so Brazillian

          Pois é. A Copa acabou, e eu pra variar, encarei esse mês de Copa do mundo como um mês qualquer. Não alterei nada em minha rotina. Não chorei e nem sorri, não senti emoção nenhuma. Embora, tenha adorado sair do trampo mais cedo nos dias em que a Seleção Canarinho, Passarinho ou seja lá o que for jogou. Se é que se possa dizer que jogou, uma vez que o resultado foi decepcionante. Nessas horas que ser um "eu" tem suas vantagens. Vejo somente o lado positivo da derrota do Brasil nessa copa.
          Para mim o melhor da copa foi mesmo perceber o clima de reunião familiar, de euforia, comes e bebes, mesmo que para assistir os jogos e torcer. Mas torcer mesmo! Na correria em que vivemos é raro ter uma ocasião em que a família e amigos se reunam. Exceto aniversários ou natal e reveillon. Na copa, a algazarra é mais intensa, não sei de onde se extrai o tal do patriotismo. Ou melhor, sei sim: é tudo culpa dessa cultura de celebridades que vive de mostrar homens e mulheres talentosos. Claro que também mostram que além do talento, também são humanos: amam, sofrem, adoecem... vieram lá de baixo. Logo a população pobre de espírito se identifica. São aclamado heróis, Deuses do Olimpo. Estão em todos os outdoors ganhando horrores. Mas nem sempre esse jogo de "imagem" funciona, que o diga aquela música tema oficial da copa. Francamente, olha a pretensão: We Are One. Qualquer pessoa que tenha senso, observou que o que menos somos, especialmente de um ano pra cá, é uma só coisa. Nunca o Brasil esteve tão múltiplo como agora. Tão dividido. Tão desigual. E vai ficando cada vez mais, à medida que chegam ao nosso país outras etnias, vindas pelas mais diversas razões. Ou seja, por mais que intentam, há mais razões para não entrar no oba-oba de que aqui é o país do futebol, do que pra  entrar nessa canoa furada. E a música We Are One não decolou mesmo. Nem precisa explicar por que.

          A copa, como todos sabem, trouxe benefícios pra uns e prejuizos a outros. Hotéis, restaurantes lucraram muutíssimo, ao passo que os comerciantes que fecharam os estabelecimentos cedo, nos dias de jogos da Seleção- Canarim- que- deixou- muito- Zé- Povin- revoltadim jogou tiveram perdas enormes. Mas, é como se sabe: crise e oportunidade andam juntas. Sabemos também que esse negócio que o Brasil é o país do futebol é pura balela. O Brasil é o país de tanta , mais tanta coisa que minha mente devagar-quase -parando ainda não fez uma pesquisa pra apurar os números exatos. Nem o PIB eu sei. Só sei que tem muita gente descontente com a situação socio-econômica brasileira. Há de ter que se dar o famoso jeitinho brasileiro, é pra se virar do jeito que a coisa tá. E o Brasil perdeu feio essa copa que foi no Brasil. Brasil que não é o país do futebol coisa nenhuma! O sonho do hexa ficou só no sonho. Bem vindo a realidade Brasil. Como disse, ficarei com o lado positivo da derrota: encarar a realidade. Que é o fato que temos que melhorar é em tudo. Todos sabem o caos que é a saude pública, a educação então... se a seleção tivesse sido a campeã, o clima de Ilha da fantasia ia tomar conta do povo brasileiro. E o mesmo povo depois ia reclamar da saúde, da educação ,da segurança. Só ligam mesmo para o circo midiático que reina: é o país do futebol, do samba, da mulher gostosa, das telenovelas e blá blá blá. 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Que País é Esse?

 San'tanna: um fiel retrato brasileiro em sua prosa.
        A crítica social nunca esteve tão presente na literatura brasileira como agora. Um exemplo máximo dessa afirmação é o livro O Brasil é Bom, de André Sant'anna. Esta obra é composta por vários contos, onde na maioria o leitor se ver diante de uma polifonia discursiva desenfreada. Os acontecimentos dos últimos anos imediatamente vem à tona, quando o narrador dos contos inscreve uma série de simulações irônicas baseadas em vários pontos de vista preconceituosos. E são realmente vários, diversos, cada conto tem o narrador facilmente identificado com os vários perfis dos brasileiros de agora e do porvir.
       Se o título do livro é O brasil é Bom, Sant'anna, numa ironia dilacerante comprova isso em um dos contos especificamente: O Brasil Não é Ruim. E por que não é ruim? As razões são várias:
 "Deputados, senadores, governadores, prefeitos, vereadores, empresários, sindicalistas, policiais, juízes brasileiros não são criminosos, já que não foram filmados em flagrante recebendo dinheiro, colocando dinheiro na meia, na cueca, na mala-preta. O dinheiro que eles não roubaram na cara de todo mundo, que não foi mostrado na televisão para quem quisesse ver, não era dinheiro público..." (pag. 11)
 "O povo brasileiro não tem orgulho da própria ignorância, não está acometido de um excesso de autoestima..." (pag 12)
Observa-se que a metralhadora verborrágica de Santa'nna, através de um narrador sem nome, utiliza-se de uma palavra de negação: não, para expôr todas as falcatruas políticas e também a falta de dicernimento por uma parcela da população. Aquela que acredita que só porque se é brasileiro consequentemente se é feliz. "Sou brasileiro e não desisto nunca". É o que dizem alguns que nem se quer, tem noção de História do Brasil. Ou caem nas garras de alguma falsa ideologia contentando-se, ou entram no embalo: "Se todos podem, também posso." Ou seja, entrar na onda de consumir qualquer coisa da moda, ao invés de lutar pra garantir direitos básicos. Vale ressaltar, que nesse conto a palavra NÃO aparece sessenta e seis vezes. Isso mesmo, se uma coisa é a não coisa, o Brasil é bom porque ele não é ruim, ora essa!
      O referido conto constitui uma imagem ultra-realista de nossos dias, embora muitos brasileiros vão às ruas protestar por melhorias, é sabido que em meio a um grupo de bem- intencionados, há o dedo de partidos oportunistas almejando tirar vantagem. Ao que parece, a maioria se perde nos meandros da política. Lendo esse texto imediatamente nos vem a mente, as propagandas partidárias mostrando as benfeitorias empregadas e as que estão em andamento. Ou também os partidos se gladiarem: opositores esboçam sorrisos ao mencionarem o que o adversário não fez ou fizeram errado. Se há desorganização, algum político santo vai organizar. Vai. Ah vai. Afinal todos querem o melhor para o povo brasileiro. O que é o melhor? Mais respeito para com a população, que está de saco cheio com toda essa  roubalheira na cara dura! 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

William Wilson: O Jogo Duplo de Poe

Poe: um conto desafiador 
         Em mais um conto de mistério, Edgar Allan Poe apresenta uma narrativa instigante, onde o leitor acompanha de modo linear, uma série de situações rememoradas pelo narrador-personagem, com o propósito de explicar as várias atitudes errantes que este cometera ao longo de sua vida. Cada fato narrado, cada indagação e também a epígrafe que antecede o conto são imprescindíveis para a dissolução desse suspense que Poe, com a maestria que lhe é peculiar, nos instiga.
        Logo no início, o narrador-personagem põe em questão o seu nome, para ele é uma vergonha o que seu nome se tornou, em decorrência de suas atitudes imprudentes para com os outros. Apresenta-se como William Wilson, dando início a uma duplicidade no nome e que posteriormente, resvala como uma suposta duplicidade do seu ser. Willian Wilson se autodefine sensível e facilmente excitável porque é “filho de uma raça de temperamento imaginativo”. Desde criança ele percebe sua tendência para o mal, começando a exercer seu gênio difícil e que nem mesmo seus pais, fazem-lhe oposição. Descrevendo detalhadamente o ambiente escolar de sua infância, onde  já exercia uma certa liderança entre os colegas. Wilson indaga-se, pelo fato de que o mesmo rígido diretor Dr. Bransby, era o mesmo ameno pastor da igreja. Temos aí uma pista, pois o mistério que Poe criou tematiza, principalmente, as dualidades do ser humano. O eterno combate da natureza do indivíduo. As dicotomias sensatez versus insensatez. Poderia uma pessoa cometer as piores injustiças e sua consciência continuar tranquila? Quem é nosso principal inimigo?
        O narrador-personagem relembra a vida escolar, em que tudo vai bem, o convívio com os colegas até a chegada de um indivíduo de estatura, trajes e trejeitos semelhantes aos seus. Este indivíduo opõe-se as suas atitudes dominadoras, dando-lhe conselhos e competindo em tudo com Wilson. Posteriormente, Wilson descobre que seu rival possui o mesmo nome que ele, além de ter nascido no mesmo dia. A frequente interferência do seu xará em tudo provoca-lhe uma série de sentimentos contraditórios, uma vez que ambos conhecem tudo um do outro, os pontos altos e baixos. Wilson ainda relata seu espanto com tamanha similaridade sem haver o menor grau de parentesco nas suas famílias. Também menciona em tom assombroso, que seu xará possui como único diferencial, uma voz baixa que sussurra-lhe: William Wilson. Além de que, segundo Wilson, somente ele percebia as atitudes de seu inseparável homônimo. Que ser conhece a fundo outro semelhante, a ponto de sofrer tamanha perseguição?  Numa tentativa de conhecer a verdadeira feição de seu “perseguidor”, Wilson resolve numa noite, olhar-o dormindo, mas as feições deste pareceram-lhe mais estranhas do que os supunha. Eis aí mais um ponto fantástico nessa narrativa poeana e somente o narrador-personagem, juntamente ao leitor desafiado, corroboram  na criação e dissolução deste.
        Passado algum tempo e já em outra escola, Wilson entrega-se a uma série de desregramentos, e quando pensa ter se livrado do “outro” William Wilson, eis que este aparece quando ele  está promovendo uma bebedeira com seus piores colegas, e sussurra-lhe: William Wilson, deixando-o em choque e sóbrio. Aumentam-lhe as inquietações: Quem ele é? De onde veio? Passado este acontecimento, Wilson continua a promover bebedeiras, jogatinas e imprudências. Sabendo da chegada de um jovem rico, mas de pouca inteligência, prepara-se para arrancar dinheiro no jogo de cartas. Arma então um esquema, seduz o jovem rico e começa a trapacear. Quando percebe que o jovem perdera tudo e também o olhar de reprovação dos outros colegas, começa a sentir o peso da angústia. Eis então que alguém chega ao local e relata a todos, os truques ilegais de Wilson. Esse delator, segundo Wilson, era um velho conhecido seu e  também do leitor , que lhe provoca um pavor imenso e  sempre sabe todos os seus atos. E após ser expulso desse recinto, Wilson tenta a vida em várias cidades da Europa, mas em qualquer lugar do mundo que este vá, são encontradas advertências ao nome William Wilson.

        Numa última imprudência, Wilson vai a um baile de máscaras e prepara-se pra flertar com uma formosa mulher comprometida mas, é interrompido por alguém que bate-lhe no ombro e sussurra-lhe, como outrora ao ouvido. Movido por uma imensa cólera, arrasta-o para longe da festa e trava uma luta com o “outro” William Wilson, ferindo-o com sua espada. Sentindo um horror profundo, ver surgir um espelho e a face de seu “algoz” é revelada: “ E tudo nele, da roupa até as feições do seu rosto, era eu. A mais absoluta identidade. Era o próprio eu.” A frase final, revela o engendrado mistério, que se o leitor for experiente em assuntos poeanos, certamente já sabia: nunca houve outro William Wilson, era tudo projeção da mente fantasiosa do narrador-personagem. O único responsável pelo mistério da estória que era a própria criação de um duplo que interagia somente com o próprio. Era a própria consciência de Wilson, que tentava lhe mostrar o caminho correto, toda vez que uma atitude errônea ia ser cometida. Wilson, simboliza com esse duplo, o antagonismo que todo ser humano conhece e possui em si: o bem e o mal de cada um. E não há como fugir de sí mesmo. Digo, da própria consciência. 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Morte e Vida de Uma Felina

Pitty: entre dramas pessoais e crítica social
        A presença feminina mais significativa do rock nacional está de volta. Após dedicar-se ao projeto paralelo Agridoce, Pitty reaparece mais roqueira do que nunca e coloca no mercado seu mais novo trabalho, intitulado Setevidas. Esqueça os refrões pegajosos de músicas como Máscara, Memórias ou Me Adora, ao que parece a única música nova aspirante a hit é   Setevidas, primeiro single do álbum homônimo. Essa faixa, serve também como síntese desse trabalho, que tematiza  principalmente a superação, o ressurgimento, a insistência ou mesmo a eterna busca por um sentido de existir, em meio a tantas formas de preencher cada segundo de nossas vidas, nós reles mortais. Nessa nova empreitada, a cantora finca o pé no rock pesado, mas lança mão de novos elementos como um piano, coro de vozes e até instrumentos como agogô e caxixi, até então novidades ao som de Pitty e sua banda.
        Se rock é sinônimo de atitude, com Pitty não é diferente, suas músicas são cheias de críticas sociais, na faixa Boca Aberta a cantora dispara: Êta alma buraco sem fundo/ Que se vive tentando preencher/ Com deuses com terapia/ Cartão de crédito academia/ Um trago, carros velozes..., e como atesta no decorrer da letra, quanto mais se deixa consumir, mais se é consumido por uma iminente frustração: Amanhã acordo resmungo/ Eu quero minha vida de volta. Essa simplicidade de cantar a explícita “experiência humana de nossos dias” ganha reforço e contornos metafóricos em A massa, a mesma massa refém do consumismo desenfreado, alheia a uma contemplação, ou ainda a um contentamento da própria existência  em si. A massa, cantada por Pitty, é modelada e nem se dá conta que quem os molda é quem sai ganhando mais e mais: “a massa é feita pra saciar a fome dos que a sabem modelar”. Mais uma faixa análoga à situação da população brasileira, que de uma forma ou de outra, sucumbe ao sistema político vigente, obedecendo a falsas ideologias. Um exemplo disso é o próprio termo “popular”. Explico: o indivíduo de classe baixa, adquire à duras penas, com muito suor, pagando por cinco, seis anos um carro popular. Entendo o Criolo: que “popular” é esse? Pitty com ironia e primazia reafirma essa situação pela qual “a massa” alienada passa.

       Além da verve crítica, Pitty também embala dramas pessoais em Setevidas, Lado de Lá, por exemplo, refere-se a morte de um antigo membro de sua banda: Peú Souza. É nessa faixa que aparece um eficiente uso do piano e o coro de vozes entoando “guarde pra mim um bom lugar” e dá-lhe rock psicodélico. A faixa que fecha o álbum, Serpente, adere aos instrumentos de percussão que citei no início: agogô e caxixi. Tem um coro também que evoca “The perfect Life” do Moby. Encaixaria muito bem ao projeto Agridoce. Seria sobra de estúdio? Especulações à parte, o fato é que a faixa finaliza, com a calma almejada, o percurso que Setevidas tematiza: o ressurgimento, a volta por cima, ou nas palavras de Pitty: sua postura combativa. Pitty pode não agradar aos fãs que esperavam as músicas grudentas de outrora, porém ganha os aplausos daqueles que apreciam um som autoral, sem pretensões de cair no gosto dos fãs ou críticos especializados.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Brizado

  Fico pálido de espanto e demência : é paixão!

        O percurso até meu emprego não é longo. Se não tem trãnsito, leva uma meia hora. Quase sempre tomo a mesma linha de ônibus. Quando não tá muito cheio, procuro um bom encosto e leio um bom livro. Também não abro mão da cara fechada. É de praxe, detesto a mediocridade da vida dos outros. Fútil cotidiano de bosta. As conversas dos manos me dá náuseas; a das moças da periferia contando causos, também. Não é recalque. Sei muito bem o que não quero. Mas, vez em quando algo surpreende nessas conduções da vida. Algo que desencadeia uma infinidade de pensamentos. Que logo ganham expressões  tomando  o lugar da máscara que coloquei.

        Sim, haja pensamento e falta atitude. Em algumas vezes, percebi o olhar de um jovem de cara fechada igual a mim. Eis que começou: será que ele tá olhando pra mim? Olho disfarçadamente (tento) seus trajes: camiseta apertada com estampas de flores... uhunnn e com cara de marrento. Ou seria timidez? Algumas vezes, ele entra no ônibus, que tem outros espaços, mas ele acha de ficar próximo a mim. É foda meu! Ele é bem mais jovem que eu; nunca cheguei em ninguém; com a sutileza? nunca me dei bem, ou é 8 ou 80... tenho um péssimo carma pra flertes. Não pago por uma decepção. Se é, tem que ser pra valer. Mas esse menino... evoquei até Maria Bethânia, enloqueci, passei a fabular... "ah esse cara tem me consumido, a mim e a tudo que eu quis, com seus olhinhos infantis". E as idas e vindas ao trampo, outrora entregue a Literatura e ao desprezo ao "rodo cotidiano", seguiam na esperança de tomar o mesmo ônibus que Ele. 
       Será que essa cara de bravox tem sintonia com minha "persona"? Outro dia, ele entrou com outro cara, parecia colega do trampo, ficaram próximo a mim, que estava lendo o livro dos prazeres. Mas que ler que nada, quando se pode ouvir a conversa deles! Falavam de coisas triviais como baixar músicas, da exploração dos fiéis cristãos, pois passamos em frente a um  grande templo erguido. Era o templo da Igreja Universal dos Rios de Dinheiro. Deus é muito capitalista e deve querer bastante empreendimentos. Tudinho em nome da fé. Fé em quê? Em obter mais dinheiro, lógico! Assim como eu, eles diziam professar sua fé fora dos templos. Enfim, ele não disse nada que  desse alento aos meus devaneios. Porém, só de perceber pelo sotaque que ele também era nordestino, minhas divagações aumentaram: então devemos ter muito em comum... ele também deve ter tomado banho de rio, comido pitomba, pirunga, ata, araçá, carnaúba, cajús azedinhos (delícia) e mais um monte de frutas do vasto Nordeste que não sai de mim. Nos aproximaríamos e nossas conversas versariam sobre carne pizada no pilão; ou o bolo de goma; ou o de puba; ou do balido das ovelhas; o mugido das vacas e seus chocalhos; nossas motos, todo nordestino que se preze tem que andar de moto. E vejo-o saltar do ônibus com o devaneio nas mãos. "É falta"! Dirão as pessoas realistas e mais familiarizadas com a vida terrena. Também vi no visor do celular dele,  que ele gosta de imagens espaciais, assim como eu, que transito em órbitas distantes. Entretanto só me resta encarar a realidade e quedar-se em Bilac. É a minha vida: "Ora direis ouvir estrelas". O senso, só tive e tenho o do ridículo. Mas enquanto se vive, se sonha e já diz a sabedoria popular, que tanto desprezo, que a esperança é a última que morre. Se bem que já morri. 

domingo, 25 de maio de 2014

O baú de boas sonoridades

A diva segue pedindo consciência.
        Em Segue o Som, sexto disco de estúdio de Vanessa da Mata, tem-se a consolidação de uma das maiores vozes femininas da atual MPB. O álbum apresenta uma Vanessa aberta a sonoridades diversas, passando do reggae ao axé, do pop ao samba. Levando em conta o ditado: Em time que está ganhando não se mexe. A mato-grossense contou novamente com a produção de Liminha e Kassin, entre outros, e o resultado surpreende exatamente pelo leque maior de musicalidade impresso.
        Sim, o baú musical de Vanessa tem muito a encantar em Segue o Som. A primeira parte do álbum é onde a cantora demonstra uma objetividade a flor da pele. Os temas da valorização da mulher, do consumismo exagerado dos nossos dias, do descontentamento com as relações superficiais em detrimento dos sentimentos verdadeiros, etc. Estão todos aí. Devido a isso, alguns críticos e fãs não viram surpresa nenhuma nesse trabalho. Imediatamente, tacharam de "mais do mesmo" e blá blá ... Ledo engano. O artista verdadeiro é aquele que é fiel a seus temas, que segue sua intuição. No caso, Vanessa deu nova roupagem aos temas, ou melhor variou nos arranjos: o consumismo exagerado, outrora cantado em tom de deboche no delicioso baião "Bolsa de Grife", agora aparece na contundente " Homem Invisível no Mundo Invisível", faixa embalada por um reggae de primeira. Aliás esse elemento está presente também,  nas faixas "Segue o Som" e "Toda Humanidade Nasceu de Uma Mulher". Seria esta última uma resposta tardia a Caetano Veloso que "não tem inveja da maternidade, nem da lactação"? O que na verdade, é que trata-se de um dos acertos do álbum. Ideal na abertura de um show. Nas últimas faixas do álbum, as canções soam desprentenciosas, embora mantenham um embalo envolvente. Do samba de "Rebola Nêga" a sincopada "Desejos e Medos". Sendo descartável, somente o remix de Segue o Som, a última faixa do álbum.
        Outra novidade nessa empreitada musical de Vanessa, é a aderência à lingua inglesa, há uma letra de Vanessa: My Grandmother Told Me e um cover de Sunshine On My Shouders, este, é a cara das FM,s adulto- contemporãneas. Sei... acho que essa convincente cantoria em inglês tem nome... Especulações à parte, o fato é que "Segue o Som" acrescenta e muito no caldeirão musical brasileiro e na própria carreira de Vanessa da Mata. Tanto pelo apelo reflexivo das letras: "Segue o som e pense um pouco no que está fazendo/ Relaxe seu semblante e pense no que está se metendo", quanto pelo swingue que não deixa nada a dever pra cantoras "Tira o pé do chão". É só ouvir "Por Onde Ando Tenho Você" e "Se o Presente Não Tem Você" pra comprovar isso. Se a música brasileira carece de uma representação feminina abrangente, Vanessa da Mata é o nome certo.

domingo, 27 de abril de 2014

Jóias da MPB

        O atual cenário musical brasileiro parece desolador? Parece apenas. Não se pode julgar que não há nada de criativo conhecendo apenas os "bolas da vez" que a mídia televisiva expõe. A TV não é o único meio de se conhecer artistas relevantes. Esse é, sem dúvida o mais limitado. Apresenta somente uma parte que, pretenciosamente, quer julgar-se o todo. Todos que têm acesso à informação sabem que há bem mais que isso. Jornais, internet e revistas constituem ainda, meios bem mais democráticos de transmitirem cultura abrangente a todos os públicos. Diga-se, um público exigente. Que procure qualidade e não auto promoção, ostentação, ou mais definidamente: chateação.
         Outro dia ouvi o comentário descontente de uma colega, acerca do "sucesso" Beijinho no ombro: - Isso é Brasil. Mesmo que ela, não leia esse meu desabafo, espero que ela mude seu conceito sobre a música brasileira. Citarei alguns artistas que se propõem e fazem realmente música boa. Não estou falando dos medalhões Chico Buarque, Gal Costa, Marisa Monte, Ney... entre tantos, falo de uma moçada que certamente se inspiram nestes para apresentarem bons trabalhos. Segue abaixo:
Marcelo Jeneci: feito pra emocionar.
. Marcelo Jeneci. O paulistano, é um músico completo, além de cantar e compor muitas de suas canções, ainda é multi-instrumentista. Suas letras soam desprentenciosas e versam sobre temas amorosos, tal qual um Roberto Carlos da nova geração, no que tange o romantismo sem apelos.  Esbanjam poesia pura e vão na contramão da tão famigerada ostentação. Para Jeneci, o melhor da vida vem de graça. O talento do moço está mais que provado no segundo álbum intitulado "De graça". Pra fortalecer os vocais, algumas faixas contam com a voz doce de Laura Levieri. Top 6 Jeneci: O Melhor da Vida; A Vida é Bélica; Tudo Bem, Tanto Faz; Felicidade; Quarto de Dormir; Feito pra Acabar.
Vanessa da Mata: alegria contagiante.
.Vanessa da Mata. A mato grossense é até bem conhecida. Está há algum tempo na estrada, várias músicas suas tocavam em novelas globais (ai ai ai ai ai ai...), seu cabelo é naturalmente lindo. Mas ela, tem lá seus detratores,chamaram-na de Gralha! Imaginem com essa voz de veludo tão linda. Talento ela tem de sobra. Vanessa é incansável. Além de fazer seus trabalhos autorais, já fez
shows em homenagem a medalhões da MPB como Luiz Gonzaga e Tom Jobim.Nem precisa dizer, que ambos os shows foram um sucesso. 
O estilo propriamente de Vanessa, pode ser definido como uma música que embala desde temas como o amor, como lembranças da infãncia, algum sarcasmo com a sociedade, enfim coisas relevantes transformadas em arte. Top 6: As Palavras; Vermelho; Te Amo; Viagem; Amado; Boa Sorte/Good luck.
Roberta "Diva" Sá
.Roberta Sá. A intérprete potiguar é mais conhecida no Rio de Janeiro. Surgiu no extinto Fama, não foi a vencedora, mas consegui emplacar e obter um público fiel. Já fez várias parcerias de peso como na melancólica "Peito Vazio" de Cartola, com Ney Matogrosso, entre outras como o trabalho com o  Trio Madeira Brasil onde explora a musicalidade afro-baiana no álbum Quando o Canto é Reza, um álbum inspirado na obra do compositor baiano Roque Ferreira. A voz doce e afinada de Roberta evoca tanto um samba das antigas, quanto uma cadência mais alternativa, sem deixar de flertar com o samba. Vale ressaltar que os outros trabalhos de Roberta já atestam sua capacidade de emocionar através de sua entrega à boa música.
Top 6: Mais Alguém; Você não Poderia Surgir Agora; Samba de Um Minuto; Pavilhão de Espelhos; Cicatrizes; No Braseiro.  

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A fossa nova

You, you don’t kiss when you kiss,
You don’t f*ck when you f*ck
You don’t say what you mean, you don’t talk not enough
No possible, impossible patience
Impossible
(Fiona Apple)

       Ao assistir ao aguardado Ninfomaníaca vols. I e II, de Lars Von Trier, fiquei levemente perturbado com duas frases que aparecem no filme. Vou abster-me de explanar se essa obra é bem feita ou não. Tampouco discorrerei sobre o roteiro, esse, não só os cinéfilos devem saber: Ninfomaníaca, teve uma grande campanha publicitária, um dos thrailers foi exibido até, por um descuido, (será?) numa sessão infantil nos EUA. Sem falar nos cartazes super ousados, com o elenco em situações orgásticas. Ninfomaníaca, não é nem de longe a obra-prima do fodaço Lars Von Trier. Entretanto, vale a pena assistir.
        Bem, a primeira frase que fiquei martelando dias e noites foi: " O ingrediente secreto do sexo é o amor." Excluindo o contexto da narrativa cinematográfica e partindo para a minha concepção, do meu viver, essa frase soa-me arrebatadora. Faz-me refletir até onde se deve separar amor e sexo. Não sou nenhum expert em nenhum dos dois. Vida amorosa e sexual que é um fracasso total. E penso seriamente (herança religiosa?) que sexo tem de ser o complemento do amor sim. Pois, o que é um gozo, comparado a estima e espera de um ser amado? Estou sendo romântico e piegas demais? Quem encontrou sua cara metade e goza de uma vida sexual ativa ganhou na loto. Evocando a canção de Rita Lee: " Sexo vem dos outros e vai embora, amor vem de nós e demora." Esse modo de viver, querendo sempre mais e mais das coisas não é fácil. Suporta-se na medida do possível. Vez em quando, alguém indaga: - Você está sempre sozinho. E nem é tão feio... você escolhe muito... - Pois se quase não tenho tempo... dali mil desculpas. Fazer o que, se não me é facil contentar com minutos de prazer que não serão mais que minutos- passados- de- prazer. E no dia seguinte baterá até um certo asco e a indagação: -Mas então é só isso?
        A segunda frase é: " Meu pecado é que eu sempre exigi mais do pôr do sol." Essa, foi dita pela protagonista do filme. E, encantou-me de imediato. Sim, também eu exigi muito que o por do sol trouxesse noites de luar inebriantes! E que a solidão fosse uma vaga lembrança. E que não houvesse tanto barulho das motos dos entregadores de pizza.  Nem de arruaceiros voltando das baladas. Não, não..., é periclitante estar assim à beira dos acontecimentos alheios. Assistindo ao tempo escorrer como fios invisíveis porém, ultra-sensíveis até o último átomo de segundo. E assim como a maioria das pessoas, o clichê dos trópicos é gostar de dormir ao som de pingos de chuva. De conchinha não gosto não. Tudo tem limite até mesmo romantismo. Só espero que o preço que pagarei por esse "pecado" não seja tão caro. Que as noite sejam frescas, aconchegantes. E, antes seguras, que entregues a momentos que nada edificarão.Nada acrescentarão a um viver metódico. Mas, as vezes bate um receio de não arriscar, não arriscar e de repente chegar-se, na velhice! E que mico que é ficar pagando de boyzinho na balada e carregar uns cinquentão nas costas! Ainda bem que estou muito bem casado! Com os livros e devaneios acerca de nada e um pouco menos.