terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Impressões sobre a peça "As divinas mãos de Adam"

Os competentes atores em cena da premiada peça
   “As divinas mãos de Adam” é um texto teatral da autoria de Roberto Muniz Dias, um dos mais significativos nomes da “literatura LGBT”. A peça foi apresentada em São Paulo na última edição do Festival Mix Brasil e reuniu um grande número de espectadores, muitos certamente entrando em contato pela primeira vez com o texto do escritor piauiense, cuja obra, reforça o potencial criativo de Roberto exacerbando uma profundidade que aproxima a literatura da filosofia.
   O diferencial da literatura de Muniz Dias provém da fuga ao “lugar comum”, ou seja, seus textos não giram em torno da opressão sofrida pelas personagens homossexuais, tampouco descambam para uma “literatura para maiores”, embora aborde essas questões, o modo como descreve tais fatos é sofisticado e extrai o máximo de filosofia; a maioria de seus personagens parece possuir um segundo olhar para os eventos ocorridos em suas vidas. Na peça “As divinas mãos de Adam” essa verve filosófica é representada pelos dois personagens masculinos, que nutridos de um desespero comum (apesar de suas diferenças pessoais) conseguem chegar a uma equiparação de seus estados de vida, após dialogarem, entre confidências e doses de conhaque,“O grande nivelador social”. O acaso que arrebata Stephen e Adam tanto permite a ambos “depurar a verdade” como permite-lhes extrair humor de algum aspecto, o que traz leveza para o melancólico texto de Roberto.
   Como em toda obra fictícia espera-se um “happy end”, este não vem sem antes passar por duríssimas penas, nesta peça o entendimento de Stephen e Adam é atacado por Rita, irmã de Stephen, esta munida de um fanatismo religioso que reprime qualquer atitude que não corresponda aos ditames cristãos pregados, geralmente, pelos evangélicos. Entretanto, o texto sutilmente alude a esses conceitos, sequer designa “Deus”, refere-se ao Divino ou na fala eloquente de Rita: “Ele”, o pronome substantivo apodera-se da personagem com um fervor de devoção. Já que falamos em pronomes, cabe ressaltar que essa precisão da escrita de Muniz Dias, reflete o apuro de seu ofício e também nos remete ao “Pronominais” de Oswald  de Andrade, especificamente quando Stephen pede a Adam uma dose de conhaque: - Dá-me uma dose!
   Os aspectos apontados acerca da peça “As divinas mãos de Adam” são poucos levando em conta os vários efeitos de sentido que ela propicia a cada espectador. Certamente, um indivíduo é tocado por determinada frase, outro fora afligido pelo insólito do tema; algum letrado absorveu diversos paradoxos e ficou com a peça semanas na cabeça, entre outras razões que corroboram para designar o texto de Roberto Muniz Dias como Literatura utilitária, ou seja, aquela que conjuga estética e humanização. Esta, decorre numa crescente até o clímax explosivo, literalmente tocando o dedo na ferida, quando a personagem Rita expõe um dos principais argumentos contra a homossexualidade: “não há nada de divino neste seu pensamento que não germina, nunca germinará...” as respostas dadas por Stephen e Adam representam menos as pretensas verdades limitadoras, impostas por religiões, que a própria consciência é capaz de buscar uma autonomia perante seus desejos e a própria condição humana.

Ficha Técnica

Texto/ Text: Roberto Muniz Dias
Diretor/ Director: Emer lavinni
Preparadora de elenco/ Casting director: Claudiana Cotrim
Elenco/ Cast: Ana Carolina Rainha (Rita), Héctor Medina (Adam) & Mário Cardona (Stephen)
Iluminadores/ Lightning designer: Anauã Vilhena e Héctor Medina
Músico/ Musician: lucas Simonetti
Figurinista/ Costume designer; Nina Nabuco
Cenógrafa/ Set designer: Renata Belich
Visagista/ Make up artist: Hugo Régis
Fotógrafo/ Photographer: Mackson Cruz
Criação e produção/ Creation and production: Cia Popular Versátil