quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Uma Deliciosa e Letal Narrativa



     O livro O Clube dos Anjos, de Luis Fernando Veríssimo, faz parte da coleção Plenos Pecados da editora Objetiva. Foram escalados sete autores, e a cada um deles, foi dada a tarefa de escrever sobre um dos sete pecados capitais. Para Luiz Fernando Veríssimo destinaram o pecado da gula. O resultado foi uma narrativa tão prazerosa, como é a sensação de se comer algo delicioso. A leitura com sua trama ágil, e com um aparente mistério, é um convite à reflexão sobre vários aspectos da humanidade. Tudo contado com o humor peculiar da prosa desse autor contemporãneo. 
      A história é narrada por Daniel, que relembra como ele e mais nove amigos, todos com um apetite insaciável, fundaram o Clube do Picadinho, clube este que tinha como "missão"  saborear o picadinho do bar do Alberi. Conforme os membros do clube foram crescendo, cada um com certo talento para o fracasso pessoal e proficional, as reuniões do clube para celebrar seu prazer maior, foram se tornando mais sérias, sofisticadas até. Isso porque um dos integrantes do clube, Ramos, apresentou aos demais, vários pratos finos, como "Canard à l'orange, boeuf bourguignon,etc. Os jantares,sempre na casa de um dos membros, era um verdadeiro ritual, onde celebravam o desejo, sempre reincidente, de comer e comer. Celebravam seus fracassos e a ostentação do apetite. Ramos, o mais requintado de todos, recitava trechos do Rei lear, de Shakespeare, para ele Shakespeare e cordeiro com molho de menta, eram as únicas contribuições da Inglaterra para a civilização ocidental. O restante do grupo ouvia seu discurso com admiração.
    Para o abalo do clube, Ramos morre, em decorrência da Aids. Os jantares suntuosos, perdem o anfitrião e todos ficam receosos a fazerem novos jantares. Entretanto, Daniel, o narrador-personagem, conhece Lucídio, que se dispõe a ouví-lo contar sua história do clube do picadinho. Lucidio é descrito com um certo mistério, provocando até calafrios em leitores mais sensíveis. Ele, prepara uma omelete a Daniel, e fisga-lhe, obviamente pelo seu ponto fraco: a gula; Se oferece para cozinhar para o grupo, mostrando de maneira subliminar, conhecer algumas coisas a respeito do clube do picadinho e seus gulosos membros. Ainda receosos pelo desconhecido Lucídio, e em respeito ao falecido Ramos, decidem reunir o clube num jantar. No final do jantar o cozinheiro anuncia ter sobrado uma porção. Aquele que se dispõe a comê-la, morre em poucas horas. Logo na segunda morte, eles ficam desconfiados, pela tragédia ter ocorrido sempre após o farto jantar. Isso, não os impede de realizarem os próximos jantares, ao contrário, ficam excitados em saborear um prato feito por tão caprichoso cozinheiro. Este, sempre seguindo a tática da porção final. Mesmo alertados pelos familiares, os membros, que por enquanto ainda existiam, vivem criando hipóteses, sobre quais seriam as razões do plano diabólico de Lucídio de acabar com os membros do clube do picadinho. Fato que só fazia aumentar o desejo de saborear as iguarias requintadas. Seria vingança? Vingando o quê? E  quem? 
    Essa narrativa transcorre facilmente, ao leitor, logo é mostrado ser Lucídio, o autor das mortes. o trunfo dessa obra, é a construção de uma narrativa ágil, que estimula nossos sentidos, para sentir as várias formas de viver e saborear não só o que é degustável, mas os desejos de cada um dos personagens, com suas diferenças, tão humanas. Da erudição de Ramos, ao talento para a escrita do narrador-personagem Daniel; a sordidez de Samuel; a sagacidade de Kid Chocolate, entre os demais, que se entregaram ao prazer que nunca acaba, e que acabara com eles, ficando só Daniel pra contar a história. 

P.S. Agora tenho que ler Rei lear de Shakespeare, para entender melhor os vários atos dessa peça intercalarem essa narrativa.

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