domingo, 30 de novembro de 2014

Ossos de Uma Escritura



Marcelino Freire e seu romance de estreia: Nossos Ossos


       O primeiro romance do escritor Marcelino Freire, Nossos Ossos, segue o mesmo estilo dos contos desse autor. Tanto na escolha das personagens, a temática, quanto no emprego de recursos, como a rima dentro da prosa, etc. Essa obra, chamada por Marcelino de prosa longa, é na verdade um trabalho pungente, bem estruturado e que não resume-se ao teor da estória, assim como a boa obra literária deve ser.
       Nossos Ossos, constitue mais um daqueles casos, em que se misturam ficção e realidade. O que é facilmente percebido, para quem já leu Marcelino e conhece um  pouco sua tragetória. O narrador de Nossos Ossos, é um dramaturgo bem sucedido, que recorre aos serviços de michês, e fica extremamente abalado com o assassinato de um deles, ao qual sentia alguma feição. Sabendo então, das parcas condições em que o "boy" vivia, decide levar o corpo para ser enterrado em sua terra natal: o  Nordeste. Mais precisamente, numa cidade do mesmo Estado seu: Pernambuco. O protagonista Heleno, é de Sertânia, o boy, de Poço do Boi. Eis aí um jogo linguístico, típico da prosa freiriana. 
       Essa "prosa longa" não se limita a relatar o submundo noturno de uma metrópole, com seus inferninhos, frequentadores e afins, Heleno de Gusmão, o protagonista, evoca lembranças desde a mais tenra infância, em que uma das brincadeiras com seus irmãos, era desenterrar ossos no quintal de casa. Os mais variados tipos de fósseis, restos da humanidade, armaduras de guerreiros. Como o começo e o fim de uma jornada heróica, Heleno criança desenterrava, o adulto devolvia ao solo, os ossos (do boy), que outrora, lhe proporcionara os prazeres da carne. Puro prazer sexual, intuito de quem contrata profissionais dessa área: "como todo sexo bom deve ser, feito aquele que fazíamos, sem sentimento." (pag. 54). 
        A vida desse herói, Heleno de Gusmão, é contada com uma sensiblidade aflorada, através de uma verborragia que expõe os ossos da narrativa, e também na narrativa. Nossos ossos do ofício, que são os dissabores por quais passamos. Essa narrativa, retrata a vida de muitos nordestinos que buscam sobreviver e se libertar dos medos, desabrochar através da arte. Arte, algo mais comum na categoria LGBT. Algo que encontra lugar, mesmo as duras penas, na cidade grande, e como sempre é São Paulo que acolhe tudo e a todos. É a sina de quem deseja experimentar a vida, em todos os sentidos. Esse fator, certamente contribui para o acolhimento da obra, o reconhecimento do leitor na narrativa. Há de se ressaltar, que Nossos Ossos, constitui-se de uma epopéia fúnebre, onde as impressões do mundo-cão percebido por Heleno, são narradas com um lirismo arrebatador. 
         Se Marcelino Freire já goza de certo prestígio na literatura brasileira, já foi agraciado em várias premiações, tendo suas obras analisadas por acadêmicos, isso é devido a sua eficiente maneira de retratar as angústias e os sabores, os mais diversos dissabores por quais passam os descentralizados da sociedade. É esse olhar visceral da metrópole, com suas mazelas e o mal necessário que nos sustenta, que Marcelino expõe e comove o leitor. Nossos Ossos, com sua poética e final surpreendente é leitura obrigatória.
   

domingo, 23 de novembro de 2014

Weirdo



       Entro na loja,olho as ofertas, reolho... nada do que preciso. Tanta coisa útil pra fazer e eu a sucumbir a impulsos consumistas. Como as mulheres, que possuem o guarda-roupa abarrotado, e exclamam: não tenho nada para vestir! Enchi-me de nada. Aliás de tudo. Farto de tudo. Dos impostos, das filas dos bancos, supermercados, pra tudo tem fila, inclusive pra morte. Pra morrer, de modo generalizante, não sentimos a mesma impaciência de aguardar na fila: morre-se a qualquer segundo, basta um desastre orquestrado pela falha, que faz parte de nossa condição. Condição que herdamos do macrocosmo, sendo microcosmo que somos. 
      Então, agora, estou com um café fraco, um cigarro apagado, um livro por começar a ler... sendo copiosamente obrigado a ser eu mesmo. Prostrado como um pária. Um inútil. Vi filmes que não tenho a menor ideia de para quem falar deles. Eu. "você não sabe nem se expressar". Disseram-me. Nunca esqueci. A mesma pessoa disse-me: "aqui nessa indústria vital, ninguém é amigo. É tudo fachada." Eu, o Macabéo. Só sei mesmo é apreciar a entrega à vida, que os bem resolvidos, nessa terra expõem. É tudo tão familiar aos outros... Os significados atribuidos a qualquer coisas são aceitos numa boa. Quase ninguém questiona nada. É. Ficou pra ser assim. Cresci ouvindo coisas desse tipo. E não é nada confortável está na pele de quem não entende. "Se eu entender estou errando". "Entender é a prova do erro." Concordo em tudo que essas duas frases exprime. Se entendo, é porque errei ou errei porque sou imperfeito. Afinal pra que querer a perfeição? Já que, por aqui todo mundo (quase) erra pra caramba, porque há um ser supremo (????????????) que tudo perdoa. É cômodo demais isso, digo viver acreditando nisso. Eu, literalmente, não existe para estes. 
       A professora do ensino médio, há uns quinze anos atrás, dissera: "uns 99% das coisas não presta ou não gostamos". Por que isso me veio a mente? Oh fossa em que me encontro! Pudera fazer tudo diferente. É uma necessidade. Tou é farto da minha falta de "lirismo comedido". Bakhtin a culpa é toda sua. Você e esse seu dialogismo,  é que me faz lembrar de poemas, outros discursos seculares e afins. Melhor assim, ainda bem que os discursos ultrapassaram o jardim do Éden. Eu que não queria conversar com o Adão, com a Eva, com a serpente (cruzes)... ficar só comendo as frutas, a do conhecimento eu como bastante. Pra que me serve esse conhecimento? Não faço a menor ideia... basta ver o agora: tou obrigado a ser "penosamente" eu mesmo. Não que eu queria ser outra pessoa, isso não tem lógica. Mesmo quando esse corpo se for, a essência eduardiana soprará noutro. Resolverei meus infinitos carmas, até... entrar no nirvana, que não é aquela banda, é outra coisa mais importante. Poucos sabem, por enquanto. Sou otimista.
     

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Uma Deliciosa e Letal Narrativa



     O livro O Clube dos Anjos, de Luis Fernando Veríssimo, faz parte da coleção Plenos Pecados da editora Objetiva. Foram escalados sete autores, e a cada um deles, foi dada a tarefa de escrever sobre um dos sete pecados capitais. Para Luiz Fernando Veríssimo destinaram o pecado da gula. O resultado foi uma narrativa tão prazerosa, como é a sensação de se comer algo delicioso. A leitura com sua trama ágil, e com um aparente mistério, é um convite à reflexão sobre vários aspectos da humanidade. Tudo contado com o humor peculiar da prosa desse autor contemporãneo. 
      A história é narrada por Daniel, que relembra como ele e mais nove amigos, todos com um apetite insaciável, fundaram o Clube do Picadinho, clube este que tinha como "missão"  saborear o picadinho do bar do Alberi. Conforme os membros do clube foram crescendo, cada um com certo talento para o fracasso pessoal e proficional, as reuniões do clube para celebrar seu prazer maior, foram se tornando mais sérias, sofisticadas até. Isso porque um dos integrantes do clube, Ramos, apresentou aos demais, vários pratos finos, como "Canard à l'orange, boeuf bourguignon,etc. Os jantares,sempre na casa de um dos membros, era um verdadeiro ritual, onde celebravam o desejo, sempre reincidente, de comer e comer. Celebravam seus fracassos e a ostentação do apetite. Ramos, o mais requintado de todos, recitava trechos do Rei lear, de Shakespeare, para ele Shakespeare e cordeiro com molho de menta, eram as únicas contribuições da Inglaterra para a civilização ocidental. O restante do grupo ouvia seu discurso com admiração.
    Para o abalo do clube, Ramos morre, em decorrência da Aids. Os jantares suntuosos, perdem o anfitrião e todos ficam receosos a fazerem novos jantares. Entretanto, Daniel, o narrador-personagem, conhece Lucídio, que se dispõe a ouví-lo contar sua história do clube do picadinho. Lucidio é descrito com um certo mistério, provocando até calafrios em leitores mais sensíveis. Ele, prepara uma omelete a Daniel, e fisga-lhe, obviamente pelo seu ponto fraco: a gula; Se oferece para cozinhar para o grupo, mostrando de maneira subliminar, conhecer algumas coisas a respeito do clube do picadinho e seus gulosos membros. Ainda receosos pelo desconhecido Lucídio, e em respeito ao falecido Ramos, decidem reunir o clube num jantar. No final do jantar o cozinheiro anuncia ter sobrado uma porção. Aquele que se dispõe a comê-la, morre em poucas horas. Logo na segunda morte, eles ficam desconfiados, pela tragédia ter ocorrido sempre após o farto jantar. Isso, não os impede de realizarem os próximos jantares, ao contrário, ficam excitados em saborear um prato feito por tão caprichoso cozinheiro. Este, sempre seguindo a tática da porção final. Mesmo alertados pelos familiares, os membros, que por enquanto ainda existiam, vivem criando hipóteses, sobre quais seriam as razões do plano diabólico de Lucídio de acabar com os membros do clube do picadinho. Fato que só fazia aumentar o desejo de saborear as iguarias requintadas. Seria vingança? Vingando o quê? E  quem? 
    Essa narrativa transcorre facilmente, ao leitor, logo é mostrado ser Lucídio, o autor das mortes. o trunfo dessa obra, é a construção de uma narrativa ágil, que estimula nossos sentidos, para sentir as várias formas de viver e saborear não só o que é degustável, mas os desejos de cada um dos personagens, com suas diferenças, tão humanas. Da erudição de Ramos, ao talento para a escrita do narrador-personagem Daniel; a sordidez de Samuel; a sagacidade de Kid Chocolate, entre os demais, que se entregaram ao prazer que nunca acaba, e que acabara com eles, ficando só Daniel pra contar a história. 

P.S. Agora tenho que ler Rei lear de Shakespeare, para entender melhor os vários atos dessa peça intercalarem essa narrativa.

domingo, 9 de novembro de 2014

Spiritual Boy


       Sim, desde os primórdios procurei a proteção de alguma divindade. Aliás, seria quase impossível não encontrar, quando se nasce e se é criado num povoado católico ao extremo. Lá todos sabiam os dias dos santos, inclusive o nome do povoado, era de um deles. Nas missas o hino do santo padroeiro é cantado com um fervor imensurável. Povoado pequeno de grande maioria católica, seguir outra vertente cristã, diga-se: evangélico, não se é de bom grado. Imagine uma religião não cristã. Um tradicionalismo, um apego a terra e seus costumes antiquíssimos, são características imexíveis para esses habitantes. As modernidades vistas pela TV e redes sociais, não altera em quase nada a mentalidade dos habitantes. Embora isso lá tenha seus pontos positivos, pois muitos dos conteúdos e ideologias propagadas não são de grande valor mesmo.
     Bem, religião, com o passar das décadas fui desgostando dessa palavra. As inúmeras subdivisões das igrejas, mesmo sendo o objeto de devoção das mesmas um só, paira no ar a questão: porque se o objeto de fé é o mesmo, e esse mesmo objeto é analisado através de semelhante escrito, a Bíblia sagrada, qual a razão de que numa doutrina não se é permitido um padre casar? Noutra não se pode fazer transfusão de sangue? noutra as"servas" usam aquelas saias horríveis até a sola do pé? E quando usam saia até o joelho calçando um tênis? É o cúmulo do mal gosto! Tantas sandálias rasteirinhas bonitas, melissas... oh breguice!  Ainda bem que Alexander Mcqueen não habita mais nesse plano. Ele teria uma síncope se visse isso. Sim, essas crendices cristãs me dão nos nervos. Não pode isso, nem aquilo, mão naquilo, aquilo sabe-se lá onde... por isso se vê o que acontece por trás dos altares. Vê-se também a hipocrisia de muitos que se dizem crentes, que são pretensiosos até o último fio de cabelo. O homem pode é abraçar essas religiões, que não consegue escapar da sua condição de fraco e imperfeito. Daí o dizer: a carne é fraca. Mas e a alma? A esta resta, carregar a dor por ter sucumbido a sua maldade inerente.
       Uma muito conhecida minha, quase parente, ficou estarrecida ao saber que larguei o cristianismo. Ela, devido a muitas provações, entregou-se a Cristo de corpo, alma, cabelo e maquiagem. Gosto muito dela. Mas eu já nasci desobedendo os padrões impostos e tão compreensíveis por todos. Todos do meu povoado. Eu, o renegado, um marginal. Salvo por uma falsa inteligência. É só o que tenho: uma sensibilidade a flor da pele, mas que porta um abismo no lugar de um coração. Passei a embarcar noutras filosofias, que não as cristãs. Como um jovem praticante dissera: de Deus, retire o D e o S. Pois é exatamente nas letras que restou, que passei a nortear minhas atitudes para o próprio bem e o de todos. Do contrário seria egoísmo. O que não é bom. Não estabelece um vínculo recíproco com o outro. Altruísmo é reconhecer a dignidade de todos, já que somos formados da mesma matéria, e voltaremos ao pó. De cinzas, que eu que não quero ser enterrado pra terra me roer até os cabelos, como naquele poema do Augusto dos Anjos. Quero a iluminação de um Buda. Ei de manifestar o meu estado de Buda.Tenho que evitar ao máximo expressar minha ira, é tão de mim perder a linha porque qualquer bobagem. Mentalizarei o mantra da iluminação, sempre que uma ameaça der os primeiros indícios.