quarta-feira, 11 de junho de 2014

Brizado

  Fico pálido de espanto e demência : é paixão!

        O percurso até meu emprego não é longo. Se não tem trãnsito, leva uma meia hora. Quase sempre tomo a mesma linha de ônibus. Quando não tá muito cheio, procuro um bom encosto e leio um bom livro. Também não abro mão da cara fechada. É de praxe, detesto a mediocridade da vida dos outros. Fútil cotidiano de bosta. As conversas dos manos me dá náuseas; a das moças da periferia contando causos, também. Não é recalque. Sei muito bem o que não quero. Mas, vez em quando algo surpreende nessas conduções da vida. Algo que desencadeia uma infinidade de pensamentos. Que logo ganham expressões  tomando  o lugar da máscara que coloquei.

        Sim, haja pensamento e falta atitude. Em algumas vezes, percebi o olhar de um jovem de cara fechada igual a mim. Eis que começou: será que ele tá olhando pra mim? Olho disfarçadamente (tento) seus trajes: camiseta apertada com estampas de flores... uhunnn e com cara de marrento. Ou seria timidez? Algumas vezes, ele entra no ônibus, que tem outros espaços, mas ele acha de ficar próximo a mim. É foda meu! Ele é bem mais jovem que eu; nunca cheguei em ninguém; com a sutileza? nunca me dei bem, ou é 8 ou 80... tenho um péssimo carma pra flertes. Não pago por uma decepção. Se é, tem que ser pra valer. Mas esse menino... evoquei até Maria Bethânia, enloqueci, passei a fabular... "ah esse cara tem me consumido, a mim e a tudo que eu quis, com seus olhinhos infantis". E as idas e vindas ao trampo, outrora entregue a Literatura e ao desprezo ao "rodo cotidiano", seguiam na esperança de tomar o mesmo ônibus que Ele. 
       Será que essa cara de bravox tem sintonia com minha "persona"? Outro dia, ele entrou com outro cara, parecia colega do trampo, ficaram próximo a mim, que estava lendo o livro dos prazeres. Mas que ler que nada, quando se pode ouvir a conversa deles! Falavam de coisas triviais como baixar músicas, da exploração dos fiéis cristãos, pois passamos em frente a um  grande templo erguido. Era o templo da Igreja Universal dos Rios de Dinheiro. Deus é muito capitalista e deve querer bastante empreendimentos. Tudinho em nome da fé. Fé em quê? Em obter mais dinheiro, lógico! Assim como eu, eles diziam professar sua fé fora dos templos. Enfim, ele não disse nada que  desse alento aos meus devaneios. Porém, só de perceber pelo sotaque que ele também era nordestino, minhas divagações aumentaram: então devemos ter muito em comum... ele também deve ter tomado banho de rio, comido pitomba, pirunga, ata, araçá, carnaúba, cajús azedinhos (delícia) e mais um monte de frutas do vasto Nordeste que não sai de mim. Nos aproximaríamos e nossas conversas versariam sobre carne pizada no pilão; ou o bolo de goma; ou o de puba; ou do balido das ovelhas; o mugido das vacas e seus chocalhos; nossas motos, todo nordestino que se preze tem que andar de moto. E vejo-o saltar do ônibus com o devaneio nas mãos. "É falta"! Dirão as pessoas realistas e mais familiarizadas com a vida terrena. Também vi no visor do celular dele,  que ele gosta de imagens espaciais, assim como eu, que transito em órbitas distantes. Entretanto só me resta encarar a realidade e quedar-se em Bilac. É a minha vida: "Ora direis ouvir estrelas". O senso, só tive e tenho o do ridículo. Mas enquanto se vive, se sonha e já diz a sabedoria popular, que tanto desprezo, que a esperança é a última que morre. Se bem que já morri. 

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