sábado, 27 de junho de 2015

Impressões sobre O Lustre, de Clarice Lispector

Antiga edição do segundo romance clariceano
O Lustre é o segundo romance de Clarice Lispector. Assim como Perto do coração selvagem, seu romance de estreia, O lustre também consiste na sondagem psicológica de uma personagem feminina. Acompanhamos o denso e introspectivo universo de Virgínia, personagem esta, que nos remete à gênese de Macabéa,  no que tange a inadequação à vida em sociedade, entretanto em doses muito diferentes, a grandeza interior da primeira, até porque aqui Clarice dispõe do “contorno largo do romance” torna Virgínia uma personagem mais fascinante que a inocente Macabéa.
Narrado em terceira pessoa, O Lustre simula uma linearidade, mero exercício narrativo, uma vez que é pretendido demarcar uma trajetória já fadada ao caótico fim. As primeiras páginas desse romance reportam a infância de Virgínia, cujo elo mais próximo é o de seu irmão Daniel, a quem ela destina uma cega obediência. Daniel, trata Virgínia como sua serva por considerá-la tola e medíocre, esta vê em Daniel um ser corajoso e “difícil de se amar”, como observou Benedito Nunes, e os outros familiares, o pai ,a mãe e a irmã Esmeralda não são para ela vistos com atitudes admiráveis. O pai, um senhor autoritário; a mãe, de uma submissão ao marido e ao lar, como era a condição feminina da primeira metade do século XX, e Esmeralda a repetir a sina da mãe. Todavia, Virgínia segue com suas errãncias, sob o comando de Daniel, como o episódio em que contou ao pai dos encontros de Esmeralda com um rapaz no jardim. Um abalo à harmonia da família, e demonstrando que era “sabida”, fingiu um desmaio fugindo assim da ira de Esmeralda e da mãe.
As ricas passagens das infância de Virgínia e Daniel, carregadas de impressões que o locus, Brejo Alto, provoca na personagem feminina expõem toda uma atmosfera sombria, até porque lançando mão de um trocadilho, Daniel institui uma Sociedade das Sombras, entidade esta, que dita as regras a serem cumpridas por ele e Virgínia, e em nome dessa entidade ele, ordena a Virgínia que fique por horas no porão para aprender a pensar. No entanto Virgínia, apenas restringe-se a olhar (meditar) sobre os objetos empoeirados do porão e agradecendo por Daniel não ter ordenado que vá pensar na floresta à noite.
Passado a fase infantil, Virgínia e Daniel rumam à cidade, todavia seguem destinos diferentes, ele casa, ela segue errando sem conseguir manter vínculos efetivos com outras pessoas. Começa uma amizade com um porteiro, no entanto este, é casado e em suas visitas à Virgínia, tenta doutrina-la por meio de uma difícil leitura da Bíblia. Nesse mesmo episódio, a narradora denota uma das errâncias de Virgínia, pelo simples ato de que, esta ao preparar um jantar para ela e o porteiro esquecera de comprar guardanapos. Embora, o que configura o patético na relação entre os dois, é que este não compreende a inadequação de Virgínia aos modelos pré-estabelecidos, ou seja, para ele, o ato de Virgínia recebê-lo em sua casa é uma atitude de mulheres de conduta duvidosa. Ele, com o dever de zelar sua posição de homem casado, ao sustentar uma Bíblia combatia sua própria mente pecaminosa.
Ao leitor, é quase impossível não nutrir piedade por Virgínia, personagem retratada de modo tão destoante das atitudes convencionais aos outros seres humanos. Até as crianças se acham mais espertas que ela, como na parte em que Virgínia é intimada a devolver uma bola a um grupo que jogava. Ela, absorta, perdida e as crianças a interrogá-la, pois estas estão presas ao tempo presente, na interação com outras suas e assim “vivendo” uma infância plena, observando e integrando -se com as pessoas e suas regras padronizadas,sem margens para devaneios e opressões de quem se julgue superior. Por isso, as crianças desvendaram facilmente a penúria de Virgínia, de modo que esta ao tentar retrucá-las, expunha cada vez mais seu ser desintegrado, inocente a caminho de seu fim.


terça-feira, 23 de junho de 2015

Noite à la Almodóvar

Rossy de Palma: uma das musas de Almodóvar

      Era a festa de um quase amigo, pensei várias vezes se iria ou não. Fui, frio que fazia de típico junho paulistano. Fui com um amigo que levara mais dois: um amigo seu, quase um irmão e a travesti  Verônica Boderline, com toda a empáfia de quem vive cheia de sí, assim como se é mesmo. Ela, que aparentava bem menos que os quase cinquenta, com seus negros cabelos e boca vermelha ofuscara todos os minguados passageiros do ônibus.
      Tímido que sou, ainda mais na presença de dois desconhecidos, senti-me acuado. Devido a isso, ou afasto as pessoas ou me torno presa fácil, ou seja, provocam-me até minha faces ficarem coradas. Como naquela balada, onde eu quase não dançava e resolveram me levantar e me jogar igual acontece naqueles shows loucos nos EUA. Pois, estava mortificado no banco do ônibus quando Verônica Boderline levantou do seu, aproximou-se de mim esfregando sua prótese no meu rosto e disse: -" eu sou uma profissional do sexo. Compreta." Mas não corei, porque estava entre amigos, então fingi um sorriso, o que não me é difícil. Até porque em tempos de pressão da bancada evangélica, vou para o lado das LGBTT, é claro! Pois Verônica Boderline, era só sorrisos e travestices para os passageiros que lhe interessavam.
      Chegando à festa, senti-me totalmente deslocado e o substituto para as atitudes ali era o cigarro. Claro! Levara poucos, mas logo viriam as bebidas e tudo se tornaria suportável. Festa de periferia eu (preconceituosamente) resumo em: música ruim; pessoas “ que pensam que tem estilo” mas são bregas; narguilé e muita cerveja. Entretanto as cervejas fizeram efeito em mim embalado pelo tribal house que tocava, eu me soltei. Então Verônica, que era só close e pose de Diva, resolveu me batizar: És Maria Catarina. Então fiquei sendo essa mesmo durante a festa toda. Logo mais chegaram mais duas montadas, o reinado de Verônica começava a entrar em declínio. Embora ela fosse mais bonita, apesar da idade, que as periféricas. Ela que era do Altos do Cangaíba, da parte nobre sim senhor.
Festa de povão (povinho?) prepare-se para ouvir o gosto musical de todo mundo. Quando estava empolgado com o house tribal, vinha um (a) excomungado e colocava o arremedo de música, a escória da sonoridade conhecida em nosso solo tupiniquim como funk. É demais presenciar espetáculo tão deprimente e primitivo, os manos, as gays, as minas e os requebros obscenos assim como as letras. Até a Verônica Boderline preferia as de balada, as house tribal. Bem, mas tinha a cerveja, os amigos que acabara de conhecer... as felicitações ao aniversariante...
       A festa prosseguia, Verônica bebendo demais, mexendo com os bofes... tirando foto com todos, e bebia... pois uma dada hora eu tinha encontrado alguém. Então fui curtir o momento... já sonho com outros momentos, com ele.  O amigo que me convidou passara mal, resolvera dormir na casa do anfitrião, fiquei então curtindo um insólito flerte e tou até hoje. Mas na festa a rolar, eu com o X nos “conhecendo”, sem sabermos que Verônica se metera em confusão e foi com as outras semelhantes suas, as disputas... há horas eu queria ir embora, falei para o X: -vamos embora. Então tínhamos que chamar os outros dois. Era o certo. A festa acabou. Verônica às quedas, isso porque não trajava tacón, tava de botas.
   
Game over, vamos pra casa. Fomos buscar nossos amigos. Tensão, as travestis esperavam Verônica na saída, ela teve de sair escoltada. Até porque ela não conseguia andar de tão bêbada. O anfitrião blasfemava contra as travestis: “-não fui eu quem chamou! Eu nunca que convido. É confusão na certa!” Fazer o quê?  E lá se vai eu a pegar no braço de Verônica , com minha voz mansa “vamos, olhe o degrau”. Ela a repetir Verônica Boderline é a tal. Tou bêbada e ótima! A trupe era de uns quatro homens e duas mulheres. Estas, ficaram atônitas quando Verônica resolveu “mijar” na rua mesmo! Baixou tudo, a calcinha fio dental enfiada e o mijo a escorrer... A outra não aguentou: “olha o tamanho do pau dela!” Verônica não devia nada ao Kid Bengala. Fiquei a pensar... céus e se ela mijou na roupa e vai sentar na condução toda mijada...  todavia correu tudo bem, entramos nas três conduções, divididos entre os cuidados para com a embriagada e temerosos para com seus vexames.

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sábado, 6 de junho de 2015

Itinerários Tortos

      Pois que a fuga do meio é o que tem me definido ao longo dos anos. Quantas não foram as espectativas criadas diante de algo que incitei? Como algo que só provoca e na hora H cai fora. Aéreo sim, avoado talvez? A realidade me escapa, quantas vezes não fiz perguntas e me distraí na hora que me respondiam? E podiam (ainda podem) repetir infinitas vezes, não pego. Fiz perguntas evidenciando minha necessidade de pertencer, de renegar a verdade de que sou um estranho literalmente. E a cara que exponho emana um jogo de ternura e frieza.
      Tenho dado pra não ler o nome completo do ônibus e pegando um errado. E essa distração me martiriza pelo fato da perda de tempo. Tempo, o maior enigma. Tempo é dinheiro... que eu não tenho pra ficar por aí feito zumbi vagando e não andando em linha reta, objetivando prosperidade. Pois, vejo Terminal... e já acho que é o que me servirá. Daí já teve vezes que fui parar no extremo leste, na Praça do Forró que apesar do horário, não tinha forró nenhum. Outra vez, adentrei por uma feira de bolivianos, pela Viação Canela fui me embrenhando entre as mercadorias do Shopping Chão que fica próximo do Shopping Ponto, de ônibus.Um tormento só, pessoas passando com o carrinho de sacolas e fardos por cima de meus frágeis dedos, crianças esbarrando em mim entre a eufórica fantasia que lhes é  peculiar. Ao menos, perdido em lugares movimentados e com policiamento é um alívio.
      Mas o tempo que se perde por um descuido besta dá nos nervos! Pois fui parar logo no ponto em frente ao monumental Templo de Salomão em pleno sábado! Fiéis, mulheres crentes fervorosas que tinham ido adorar o Senhor! O Senhor  quem lhes dá o sentido da vida. Pois tá tudo lá na Bíblia. E lá o trânsito é um caos, por causa do Templo de Salomão e seus súditos. Eu, que não entendo nada de arquitetura, só vejo um templo gigante, bege, dourado, suntuoso... vejo por fora, pois não perdi nada lá dentro. E acho bonito mesmo é a Catedral da Sé que tem estilo gótico. E as igrejas de estilo Barroco são explendorosas pela riqueza ornamental com aquele monte de rococós e suas cores vivas. E não o bege/dourado do Templo do Edir Macedo digo, do Salomão. Pois ninguém merece ficar esperando ônibus logo em meio a crentaiada que fala mal dos viado. E eu sou meu amor Lindaaa! Polêmica! Para tudo, baixou a Luciana Gimenez em mim. Só porque viado não é de Deus, " Deus condena a prática homossexual mas ama seus filho" e bla´blá blá... é assim que as Servas de Deus da periferia falam. As crentes não são como eu que me distraio entre as coisas mais banais. Elas são de Deus, do Senhor. O senhor sabe de tudo tudo da vida de todo mundo. Por isso que vai um monte de gente pro templo de Salomão e pra Igreja Bola de Neve. Ai que tou fazendo o André Sant'Anna, ah loka!
     Nossa! Bastou maldizer os cristãos que eu esqueci como comecei esse projeto de texto. É que não achei o fio, o meio da meada. Sou um projeto errático a vida toda. E ao que parece, vai ser assim até minha fundição ao Universo nesse plano.