domingo, 26 de março de 2017

Algumas notas sobre "A hora da estrela"

Edição da Editora Rocco, de 1998
   A obra “A hora da estrela”, de Clarice Lispector é geralmente o primeiro contato que os adolescentes obtem com textos da referida autora. Seria sua obra mais palatável? Sobretudo a leitores iniciantes em tão densa literatura? Seria o fato desta novela conter poucas páginas? A questão é que não raro ouvimos um jovem aluno dizer que “odeia” essa autora. Sim, essa autora que possui uma vasta obra tanto singular quanto cheia de desdobramentos que respondem aos vários estados d’alma, ou seja, em sua escritura contém a Clarice jovem, a Clarice mãe ou mesmo a Clarice humana que sonda vários aspectos do homem na Sociedade.
   Levando em conta que o fato da iniciação em Clarice ocorra através de “A hora da estrela”, é provável que o jovem leitor sofra uma perturbação logo nas primeiras páginas, aliás, logo na “Dedicatória do autor” onde somos apresentados a vários músicos clássicos que só mesmo um indivíduo banhado em erudição pode reconhecer nomes como “Schumann”, “Debussy” ou “Richard Strauss”. Pensemos nos adolescentes brasileiros de classe baixa embebidos de funk ostentação ou proibidão mesmo ao adentrar em dedicatória tão rebuscada, o estranhamento é certo. Há também o fato da narrativa “de fato” demorar a engrenar, ou seja, em “A hora da estrela” a metalinguagem é gritante, literalmente é como se houvessem duas narrativas: a do narrador argumentando as possíveis escolhas narrativas e a história em si. Que história? “A de uma inocência pisada”. “De uma miséria anônima”. São palavras da própria autora em sua entrevista na TV Cultura.
   A leitura de “A hora da estrela” tem diversos pontos positivos, além do humor característico da ambígua Clarice, sempre melancólica e feroz, a “tímida e ousada”, apresenta uma personagem, Macabéa, uma nordestina de Alagoas. A esta é atribuída uma série de defeitos e o leitor fica entre a raiva ou a piedade para com personagem tão desprovida de tudo. Macabéa vive sem perspectiva alguma, como um ser “lesado”, desleixado. A personagem é uma sonhadora deslumbrada pelas estrelas de cinema, sobretudo Marilyn Monroe. O narrador indaga sobre como descrever de modo sofisticado uma vida tão parca como a de Macabéa. E mesmo sendo tão despreparada para encarar as coisas práticas da vida, seja no trabalho, nas relações pessoais, a personagem é atraída por alguma informação, pois gasta suas horas ouvindo a Rádio Relógio ou colecionando anúncios. É realmente de uma ironia impressionante esta obra de Clarice, isso sem contar no humor, fator que atinge o ápice quando Macabéa arranja um namorado: Olímpico de Jesus, nordestino assim como ela. O diálogo entre ambos é risível, ele conta-lhe suas ambições ao passo que ela, sempre alheia ao seu papel no mundo, relembra as notícias que ouvira na Rádio Relógio. Outra característica marcante de Macabéa é que, apesar de seu desalento, ela tem a língua afiada, vejamos um diálogo entre ela e Glória, sua colega de trabalho:
- Me desculpe eu perguntar: ser feia dói?
- Nunca pensei nisso, acho que dói um pouquinho. Mas eu lhe pergunto se você que é feia sente dor.
- Eu não sou feia!!!, Gritou Glória. (p. 62)

   Talvez a escolha dessa narrativa para que jovens alunos conheçam a obra de Clarice seja devido ao fato da protagonista servir de exemplo daquilo que não devemos ser. Esclarecendo, os jovens estão sendo educados para que exerçam seu papel de cidadão, agindo em prol do seu bem estar e o progresso da sociedade. Macabéa, coitadinha! Certamente, muitos leitores torcerão por ela, ou seja, em se tratando daqueles que venceram a perturbação das primeiras páginas e prosseguiram na leitura até encontrar, de fato, a história contada por Rodrigo S.M. Acredito que estes jovens leitores que concluíram a novela tem muito a ganhar com o conhecimento de personagens tão envolventes como Macabéa e Olímpico, aliás, com a narrativa por inteiro, soma-se o intricado desenrolar da narrativa, sempre interrompida pelo narrador (sobretudo na primeira metade) aos diálogos entre Macabéa e seu namorado, ou entre Glória e finalmente entre a cartomante que lhe vaticina um futuro brilhante.  

sábado, 4 de março de 2017

La La Land

Os atores Emma Stone e Ryan Gosling em perfeita sintonia
   Para os amantes do cinema, a temporada de premiações, especialmente quando são divulgadas as produções que concorrem ao Oscar, a corrida ao cinema é inevitável. A menos que as condições financeiras impossibilitem, mas nossa curiosidade em conferir os filmes mais indicados é tamanha que tentamos driblar a escassez monetária. No mais, é curiosidade mesmo ou um grau de intelectualidade que nos seduz. Sim, mesmo não sendo expert na sétima arte, apesar do repertório paupérrimo que sei acerca da história do cinema e dos poucos clássicos assistidos, sou um aspirante a cinéfilo. Pretensão? Que seja. Bem, logo que começou a especulação em torno de “La La land”, a curiosidade bateu minha porta. Quando o filme levou vários prêmios no Golden Globe e sucederam-se as catorze indicações ao Oscar a curiosidade foi geral. “Que esse filme tem de tão bom?” “O que significa esse título?” Se o assunto era cinema, o filme de Damien Chazelle era o mais pronunciado. Afinal, trata-se do mesmo diretor de Whiplash: em busca da perfeição, filme vencedor de três Oscars!
   Então corri ao cinema próximo de meu bairro que pertence à região do centro expandido de São Paulo: o cinema do Shopping Metrô Boulevard Tatuapé não é tão lotado quanto o outro, ainda assim, a fila de umas quarenta pessoas estava a me deixar impaciente. Poderia comprar nas máquinas, onde as filas eram menores, mas minha aversão à tecnologia e tudo que soa moderníssimo falou mais alto, preferi encarar o jovem guichê e comprar uma inteira para ver La La land e assim me senti antenado e não  fazer a Glória Pires nos papos sobre cinema. Estava na companhia de meu namorado, literalmente, era só sua companhia mesmo, pois é pessoa que prefere os filmes barulhentos de ação, ou os do tipo “baseado em fatos reais”, e que sejam dublados, "pois nós falamos português!" Como percebem, estou mesmo arranjado. Comecei a entoar “City of stars” ansioso pra  ver a aclamada obra de Damien Chazelle. Ao adentrar a sala cinco, percebo que os assentos eram ocupados por muitas crianças, acompanhadas dos pais ou tios, claro. Pus-me a pensar: Será que viram algo de  lúdico no título? Seriam as indicações ao Oscar que aguçou a curiosidade dos pais dessa ala infantojuvenil? Havia tantas opções de filmes...

   Passado os trailers, concentro-me em La La Land com a devoção de um católico praticante. Seduzido pela estética cinematográfica do jovem Chazelle, tento devorar o estranho e expressivo rosto de Emma Stone; A beleza e o carisma de Ryan Gosling aqui funcionam excepcionalmente. A sintonia do casal proporciona um show de atuação e apesar de não serem dançarinos, suas performances confirmam o empenho dedicado para não fazer feio. Até porque quem conhece o diretor, Chazelle, fala que o moço é perfeccionista. O roteiro é cativante, abordando a busca pelos sonhos, os verdadeiros e quase impossíveis sonhos. Conseguirão? Terá um happy end? E quando os sonhos envolvem a própria arte? Mia (Emma Stone) persegue a carreira de atriz, já Sebastian (Gosling) quer abrir seu próprio clube de jazz e com que propriedade seu personagem detalha seu amor por esse gênero musical! Bom, mas há certas salas de cinemas em que as pessoas parecem confundir com a sala de casa! Sabia que essa plateia infantil não estava caindo nada bem... ora ouvia-se cochichos, ora risadas, um certo incômodo que certamente não ocorreria nos circuitos mais alternativos. Não bastasse os pais a ajeitarem as crianças, do meu lado meu namorado sonha e não é o sonho dos protagonistas de La La Land, mas o seu próprio! Só faltou roncar. Uma sacola caiu-lhe sobre seus pés e o despertou por alguns minutos. A medida que as estações sucediam-se, algumas pessoas resmungavam, a poesia, a beleza do filme não os tocara. Quando apareceram as letrinhas “the end” uma garotinha beirando uns nove anos deu "Graças a Deus" soltou um grito de alegria e em seguida levantou-se eufórica pelo término de tão “péssima” escolha de filme a ser assistido. Uma senhora da fileira da frente indagava como uma “bosta” dessa foi indicada ao Oscar. Já meu namorado, bem melhor não comentar... eu continuo em busca dos meus sonhos nessa ou noutra land.