Edição da Editora Rocco, de 1998 |
A obra “A hora da
estrela”, de Clarice Lispector é geralmente o primeiro contato que os
adolescentes obtem com textos da referida autora. Seria sua obra mais
palatável? Sobretudo a leitores iniciantes em tão densa literatura? Seria o
fato desta novela conter poucas páginas? A questão é que não raro ouvimos um
jovem aluno dizer que “odeia” essa autora. Sim, essa autora que possui uma
vasta obra tanto singular quanto cheia de desdobramentos que respondem aos
vários estados d’alma, ou seja, em sua escritura contém a Clarice jovem, a
Clarice mãe ou mesmo a Clarice humana que sonda vários aspectos do homem na
Sociedade.
Levando em conta que o
fato da iniciação em Clarice ocorra através de “A hora da estrela”, é provável
que o jovem leitor sofra uma perturbação logo nas primeiras páginas, aliás,
logo na “Dedicatória do autor” onde somos apresentados a vários músicos
clássicos que só mesmo um indivíduo banhado em erudição pode reconhecer nomes
como “Schumann”, “Debussy” ou “Richard Strauss”. Pensemos nos adolescentes
brasileiros de classe baixa embebidos de funk ostentação ou proibidão mesmo ao
adentrar em dedicatória tão rebuscada, o estranhamento é certo. Há também o
fato da narrativa “de fato” demorar a engrenar, ou seja, em “A hora da estrela”
a metalinguagem é gritante, literalmente é como se houvessem duas narrativas: a
do narrador argumentando as possíveis escolhas narrativas e a história em si.
Que história? “A de uma inocência pisada”. “De uma miséria anônima”. São
palavras da própria autora em sua entrevista na TV Cultura.
A leitura de “A hora
da estrela” tem diversos pontos positivos, além do humor característico da
ambígua Clarice, sempre melancólica e feroz, a “tímida e ousada”, apresenta uma
personagem, Macabéa, uma nordestina de Alagoas. A esta é atribuída uma série de
defeitos e o leitor fica entre a raiva ou a piedade para com personagem tão
desprovida de tudo. Macabéa vive sem perspectiva alguma, como um ser “lesado”,
desleixado. A personagem é uma sonhadora deslumbrada pelas estrelas de cinema,
sobretudo Marilyn Monroe. O narrador indaga sobre como descrever de modo sofisticado
uma vida tão parca como a de Macabéa. E mesmo sendo tão despreparada para
encarar as coisas práticas da vida, seja no trabalho, nas relações pessoais, a
personagem é atraída por alguma informação, pois gasta suas horas ouvindo a
Rádio Relógio ou colecionando anúncios. É realmente de uma ironia impressionante
esta obra de Clarice, isso sem contar no humor, fator que atinge o ápice quando
Macabéa arranja um namorado: Olímpico de Jesus, nordestino assim como ela. O
diálogo entre ambos é risível, ele conta-lhe suas ambições ao passo que ela,
sempre alheia ao seu papel no mundo, relembra as notícias que ouvira na Rádio Relógio.
Outra característica marcante de Macabéa é que, apesar de seu desalento, ela tem
a língua afiada, vejamos um diálogo entre ela e Glória, sua colega de trabalho:
- Me desculpe eu
perguntar: ser feia dói?
- Nunca pensei nisso,
acho que dói um pouquinho. Mas eu lhe pergunto se você que é feia sente dor.
- Eu não sou feia!!!,
Gritou Glória. (p. 62)
Talvez a escolha
dessa narrativa para que jovens alunos conheçam a obra de Clarice seja devido ao
fato da protagonista servir de exemplo daquilo que não devemos ser.
Esclarecendo, os jovens estão sendo educados para que exerçam seu papel de
cidadão, agindo em prol do seu bem estar e o progresso da sociedade. Macabéa,
coitadinha! Certamente, muitos leitores torcerão por ela, ou seja, em se
tratando daqueles que venceram a perturbação das primeiras páginas e
prosseguiram na leitura até encontrar, de fato, a história contada por Rodrigo
S.M. Acredito que estes jovens leitores que concluíram a novela tem muito a
ganhar com o conhecimento de personagens tão envolventes como Macabéa e Olímpico,
aliás, com a narrativa por inteiro, soma-se o intricado desenrolar da
narrativa, sempre interrompida pelo narrador (sobretudo na primeira metade) aos
diálogos entre Macabéa e seu namorado, ou entre Glória e finalmente entre a cartomante
que lhe vaticina um futuro brilhante.