Editora Globo, 2014 |
Intérprete de Males é a primeira obra
literária da escritora Jhumpa Lahiri. O livro de contos foi o vencedor do
importante prêmio Pulitzer e aborda, entre vários fatores, a condição dos
imigrantes indianos nos Estados Unidos. A adaptação aos costumes americanos, a
saudade da família que ficou na Índia e principalmente o choque cultural dão a
tônica de grande parte dos contos dessa coletânea. Os personagens retratados,
em sua maioria, são casais indianos que moram nos EUA, crianças nascidas nos
EUA filhos de pais indianos, ou ainda filhos de americanos que de alguma forma convivem com indianos, sendo que alguns contos são narrados sob a perspectiva do
olhar infantil, como os textos “Quando o
senhor Pirzada vinha jantar” e “A senhora Sen”.
Os textos citados acima são narrados de
maneira simples, a escrita de Jhumpa não dispõe de maneirismos estilísticos ou
algum recurso que traga complexidade na linguagem, ela apenas descreve as vivências
das personagens de modo sutil, injetando certa dose de surpresa à medida que
elas constroem sua visão de mundo mediante a observação das pessoas com a qual
convivem. É o que acontece no referido “A senhora Sen”, onde acompanhamos um
menino, de família americana, que passa o dia sob os cuidados de uma babá
indiana, esta, a Senhora Sen. Essa convivência permite à criança aprender sobre
a cultura indiana, uma vez que sua babá vive como se ainda habitasse seu país
de origem, ou seja, da cozinha à indumentária e até mesmo sua pronúncia do
inglês, tudo na senhora Sen evocava a Índia e seus sabores, suas cores, etc.
Mas, a verdade, é que a senhora Sen sofria deveras com a saudade dos parentes
que ficaram no Oriente, doravante, uma carta que chegava da índia era motivo de
grande alegria, em contrapartida, saber que só poderia ver um sobrinho que
nascera quando ele tivesse três anos não era nada auspicioso para ela. É um dos
textos mais tocantes e expõe uma inversão de papéis, pois Eliot, o menino sob
os cuidados da senhora Sen, acaba sendo um alento para sua babá, uma vez que
ela tem para quem falar de sua terra e do que sente falta de lá, ou seja, quase
tudo. Além do fato de que ela ainda não sabia dirigir, e recebia uma certa
pressão do senhor Sen, para que perdesse o medo e conseguisse tirar a
habilitação, afinal, eles moravam nos EUA, era primordial que ela soubesse
dirigir. Vejamos um excerto:
- Como espera passar no exame se você se recusa a dirigir na rua com os outros carros?
- Eliot está aqui hoje.
- Ele está aqui todo dia. É para o seu próprio bem. Eliot, diga para a senhora Sen que é para o próprio bem dela.
Ela se recusou. (p. 133-134)
Daria para falar sobre cada um dos nove
contos desse livro, pois cada um é, a sua maneira, um primor literário! Jhumpa
lahiri é mestra em traçar esse encontro de culturas diferentes; de gerações
diferentes, como percebemos nos textos narrados sob uma ótica infantil, mas com
um aguçado senso de apuração do que se passa ao redor. Vale ressaltar que o
conto que intitula a coletânea é um dos mais interessantes, pois é daqueles
textos onde, sutilmente, uma verdade vem à tona, revelando coisas improváveis,
passeando por devaneios que só uma mente sempre ligada (do narrador) expõe. O intérprete de
males é na verdade uma espécie de tradutor, trabalhando num hospital onde
aparecem pacientes portando um dialeto que o médico não entende, então, cabe ao
senhor kapasi traduzir, isto é, relatar ao médico os “males” que acometem estes
pacientes. Todavia, é no seu outro emprego onde ele é guia turístico,
conduzindo uma família americana aos pontos turísticos indianos, que uma
mulher, com marido e três filhos, desperta para outras sensações diante de um
trabalho, em sua própria expressão: “romântico”. Resumindo, no passeio
turístico está o pai entretido a fotografar; as crianças distraídas com os
animais e há a senhora Das com expressão de enfado, mas quando o guia conta que
traduz os males dos outros ela subitamente julga ter encontrado a pessoa certa
pra contar um grave segredo. E o que se sucede? Pois não disse que Jhumpa constrói
narrativas interessantíssimas? Uma verdadeira viagem pelos labirintos da mente
humana e seus devaneios e segredos. Como será esse embate entre o guia e a senhora Das? haverá reciprocidade? Leiam o incrível Intérprete de males.