Capa da 1° edição do livro de Muniz Dias |
Muito
se tem falado em discurso de ódio, sobre veículos informativos carregados de sensacionalismo,
em fascismo, dentre outros fatores que vão contra a liberdade individual,
contra os ideais de humanismo pelo qual a educação ou algumas religiões, vide o
Budismo, lutam há séculos e mais séculos num incessante e árduo combate, visto a
própria complexidade do ser humano. Por mais avanços que a humanidade consiga,
em diversas áreas, as chagas do machismo, da corrupção, da inexistência de um
Estado laico de fato, constituem uma forte barreira contra a dignidade do
indivíduo que esteja fora dos padrões pré-estabelecidos. Como é fato que tudo
esbarra na esfera educativa, sobretudo no déficit educacional, alguns
pesquisadores e literatos criaram projetos visando o combate ao preconceito,
sobretudo, o ligado a questão de gênero que é um dos mais sensíveis de se enfrentar
devido ao despreparo das famílias e de alguns educadores em trabalhar tal
questão.
O
escritor Roberto Muniz Dias, comprometido não apenas com o fazer literário, mas
com a luta por uma educação mais inclusiva e eficiente, levantou uma pesquisa
sobre como alguns discursos são disseminados na sociedade, desde a mais tenra
idade, isto é, seu trabalho analisa as ideologias transmitidas nos contos de
fadas, desde séculos de transmissão incontestes, como se não houvesse os
avanços da humanidade ou não levassem em conta o comportamento de outras espécies
animais. Os objetos de sua pesquisa correspondem a um contraponto ao conto de
fada tradicional, não no que tange ao formato, mas no que diz respeito às
ideologias que pretendem ser desconstruídas: são os livros King and King (de
Linda de Haan e Stern Nijland) e “And Tango makes three” (de Just Richardson e
Peter Parnell). O primeiro narra a estória de um príncipe, desenhado pelos
autores com certa afetação, que se casa com um príncipe, irmão de uma das
princesas que pretendiam desposá-lo. Já “And Tango makes three” narra o caso
verídico de dois pinguins machos que, estando sempre juntos em todas as atividades,
tentam chocar um ovo, (na verdade, era uma pedra), fato observado pelo cuidador
do zoológico este, comovido, colocou um ovo abandonado por um casal de pinguins
à disposição deles.
A
apurada pesquisa de Muniz Dias resultou no livro "O príncipe, o mocinho ou o
herói podem ser gays", trabalho que na esteira de obras como King and King
constituem numa ruptura ao conto de fada tradicional, uma vez que os clássicos
como, João e o pé de feijão, Chapeuzinho vermelho, etc, abarcam somente, do
ponto de vista discursivo, os aspectos biológicos da natureza humana, ou seja,
repassam ideais do que se esperava outrora (épocas de origem dos contos de
fadas tradicionais) do homem e da mulher. Do homem se esperava bravura,
domínio, etc, da mulher a delicadeza e a submissão ao homem. Ao longo da
história os discursos vão sendo redefinidos, por exemplo: as mulheres lutaram
pela emancipação; homossexuais lutam por direitos iguais, assim como os negros
lutam para apagar resquícios do passado escravagista. A escalada humana é isso,
um desbravamento de potencial tendo em vista a própria dignidade do individuo
em conjunto aos demais. Se a sociedade é cada vez mais pluralizada é devido à
luta do homem em sua redefinição ou adequação ao meio que o circunda. Não é uma
negação de aspectos biológicos, apenas um olhar para além de suas
possibilidades, que não se restringem ao termo binário macho e fêmea.
A
obra em questão “O príncipe, o mocinho ou o herói podem ser gays” vai ao encontro das propostas de ensino construtivistas, isto é, que trabalham a
realidade das crianças e jovens. É sabido que os núcleos familiares são
alternativos, há a família tradicional, constituída pelo pai e a mãe, como
também, há filhos de casais divorciados,
filhos de relacionamentos homoafetivos e está mais que provado que isso não é
obstáculo para que os filhos cresçam saudáveis e se tornem futuros cidadãos
promissores. Cabe às entidades educativas apropriar-se de metodologias que
abarcam as ideologias dessa sociedade pluralizada, não mais os ideais
retrógrados que ferem as conquistas pós-modernas. Afinal, como consta no
prefácio do livro, feito por Adailson Moreira: “A criança não possui
preconceitos. Ela ainda está formando seus conceitos. Nada é pré. Pode ser
ensinada a respeitar a diversidade e conviver com a diferença, o que quase
sempre, faz muito bem, ainda que do seu jeito” A fala do psicólogo e professor
é um alerta para os atos de bullying, tão comuns na fase infanto-juvenil. Dai a
importância de obras como a de Muniz Dias na construção de uma sociedade menos
preconceituosa, tendo por base a esfera educacional.