Capa do LP e CD do Convoque seu buda |
Se “Buda” significa literalmente
iluminado, o rapper Criolo através de seu mais recente trabalho Convoque Seu Buda,
representa uma tempestade de reflexão e consequentemente iluminação para o povo
brasileiro. Não por acaso, o rapper conseguiu o respeito e admiração de feras da
MPB, como Chico Buarque e Milton Nascimento. Os primeiros shows do novo disco,
tiveram os ingressos esgotados em minutos. Mérito do Kléber e sua sensibilidade
e verdade, juntamente de seus colaboradores, produtores e demais envolvidos.
Convoque Seu Buda é um trabalho
no mesmo estilo do seu antecessor Nó na Orelha, porém melhor, na minha humilde
opinião. Por quê? Como não curto rap puramente, o que me instigou em Criolo
foram suas letras, Não Existe Amor em SP, fisgou-me à primeira ouvida. Ou seja,
não é um rap e sim uma “anti- balada” com sonoridade e letra tipicamente urbana.
Mais precisamente, sobre o caos urbano, que nos enquadra, engole, nos faz de
reféns. Bem, o melhor desse novo trabalho são as múltiplas sonoridades, que
mostram toda a versatilidade de Criolo e, o quanto o mesmo se sai bem fora do
que seria sua zona de conforto: o rap, que também consta nesse registro, e certamente
agradará os fãs de longa data do artista. Quando Criolo adentra outros
territórios, o resultado é magnífico. Em Pegue Pra Ela, o artista finca os pés
no Nordeste, embalando um delicioso baião à la Alceu Valença, com as vogais
abertas (herança nordestina) ele cantarola : “ Toda cultura vira comércio / É o
ponto de degradação. Então, se pra cada ponto, processo./ E cada processo uma
ação.” Uma das melhores desse álbum. Dar até pra arriscar uns passos, eh
forrozinho bom!
Muito do que Criolo canta (conta)
nesse álbum, corresponde aos últimos acontecimentos ocorridos em SP. Protestos
nas ruas, “torneira sem água”, ocupação do espaço público por viciados (novo
problema velho ou o inverso) entre outros. Tiveram até más línguas que
dispararam que Criolo só faz músicas
sobre SP, o que não é verdade. Na já citada Pegue Pra Ela, temos uma homenagem
à cultura musical nordestina. Na faixa Esquiva da Esgrima, Criolo entrega suas
raízes nos versos: “ É que eu sou fii de cearense / A caatinga castiga e meu
povo tem sangue quente". Como me atento ao sotaque, notei que nessa faixa a
palavra “inferno” é pronunciada com o “r” tepe e não o “r” brando típico da
pronúncia paulistana. Mas, em questão de acontecimentos paulistas, uma das
paralizações ocasionou a Criolo a composição de um samba: Fermento pra Massa,
feito a pedido de sua mãe. Com a greve de transportes o padeiro, assim como muitos peões não
conseguiram chegar no trabalho. Resultado: no lar de Criolo restaram os pães
murchos do dia anterior. Nessa letra, convergem o humor e a crítica ácida ao
sistema político e socioeconômico brasileiro. Toda a letra é um retrato das
mazelas sociais, ancoradas aqui nas metáforas da farinha ou massa do pão. Cujo
verso que mais me instigou foi: Sonho é um doce difícil de conquistar/ seu
padeiro quer uma casa pra morar. Isto é, o sonho denota o doce, impossibilitado
pela greve e, no verso seguinte assume sentido conotativo: o sonho da casa
própria. Sonho de padeiros e afins, da massa, da qual me incluo. (baixou a Raquel Sheharazade) fazer o quê?
Daria para explanar sobre outras
faixas, como Cartão de Vizitas, que tem a participação de Tulipa Ruiz nos
vocais, e também tem uma sonoridade bem “pop”, entretanto resguardo-me ao
direito de ficar por aqui. Espero que ouçam Criolo, e passem a enxergar o meio
em que vivemos, com a mesma perspicácia que o rapper expõe em suas músicas. É uma
experiência iluminadora em muitos sentidos.
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