domingo, 14 de dezembro de 2014

Criolo: Convoque seu buda

Capa do LP  e CD do Convoque seu buda
       Se “Buda” significa literalmente iluminado, o rapper Criolo através de seu mais recente trabalho Convoque Seu Buda, representa uma tempestade de reflexão e consequentemente iluminação para o povo brasileiro. Não por acaso, o rapper conseguiu o respeito e admiração de feras da MPB, como Chico Buarque e Milton Nascimento. Os primeiros shows do novo disco, tiveram os ingressos esgotados em minutos. Mérito do Kléber e sua sensibilidade e verdade, juntamente de seus colaboradores, produtores e demais envolvidos.

     Convoque Seu Buda é um trabalho no mesmo estilo do seu antecessor Nó na Orelha, porém melhor, na minha humilde opinião. Por quê? Como não curto rap puramente, o que me instigou em Criolo foram suas letras, Não Existe Amor em SP, fisgou-me à primeira ouvida. Ou seja, não é um rap e sim uma “anti- balada” com sonoridade e letra tipicamente urbana. Mais precisamente, sobre o caos urbano, que nos enquadra, engole, nos faz de reféns. Bem, o melhor desse novo trabalho são as múltiplas sonoridades, que mostram toda a versatilidade de Criolo e, o quanto o mesmo se sai bem fora do que seria sua zona de conforto: o rap, que também consta nesse registro, e certamente agradará os fãs de longa data do artista. Quando Criolo adentra outros territórios, o resultado é magnífico. Em Pegue Pra Ela, o artista finca os pés no Nordeste, embalando um delicioso baião à la Alceu Valença, com as vogais abertas (herança nordestina) ele cantarola : “ Toda cultura vira comércio / É o ponto de degradação. Então, se pra cada ponto, processo./ E cada processo uma ação.” Uma das melhores desse álbum. Dar até pra arriscar uns passos, eh forrozinho bom!
      Muito do que Criolo canta (conta) nesse álbum, corresponde aos últimos acontecimentos ocorridos em SP. Protestos nas ruas, “torneira sem água”, ocupação do espaço público por viciados (novo problema velho ou o inverso) entre outros. Tiveram até más línguas que dispararam  que Criolo só faz músicas sobre SP, o que não é verdade. Na já citada Pegue Pra Ela, temos uma homenagem à cultura musical nordestina. Na faixa Esquiva da Esgrima, Criolo entrega suas raízes nos versos: “ É  que eu sou fii de cearense / A caatinga castiga e meu povo tem sangue quente". Como me atento ao sotaque, notei que nessa faixa a palavra “inferno” é pronunciada com o “r” tepe e não o “r” brando típico da pronúncia paulistana. Mas, em questão de acontecimentos paulistas, uma das paralizações ocasionou a Criolo a composição de um samba: Fermento pra Massa, feito a pedido de sua mãe. Com a greve de transportes o  padeiro, assim como muitos peões não conseguiram chegar no trabalho. Resultado: no lar de Criolo restaram os pães murchos do dia anterior. Nessa letra, convergem o humor e a crítica ácida ao sistema político e socioeconômico brasileiro. Toda a letra é um retrato das mazelas sociais, ancoradas aqui nas metáforas da farinha ou massa do pão. Cujo verso que mais me instigou foi: Sonho é um doce difícil de conquistar/ seu padeiro quer uma casa pra morar. Isto é, o sonho denota o doce, impossibilitado pela greve e, no verso seguinte assume sentido conotativo: o sonho da casa própria. Sonho de padeiros e afins, da massa, da qual me incluo. (baixou a Raquel Sheharazade) fazer o quê?

      Daria para explanar sobre outras faixas, como Cartão de Vizitas, que tem a participação de Tulipa Ruiz nos vocais, e também tem uma sonoridade bem “pop”, entretanto resguardo-me ao direito de ficar por aqui. Espero que ouçam Criolo, e passem a enxergar o meio em que vivemos, com a mesma perspicácia que o rapper expõe em suas músicas. É uma experiência iluminadora em muitos sentidos. 

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