quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A sedução do perigo em Um estranho no lago

Os atores Christophe Paou e Pierre Deladonchamps  em cena do filme
      Recentemente assisti ao filme Um estranho no lago. É uma produção francesa que, a princípio me chamou a atenção pela temática gay abordada. E é um filme para um público de mente aberta. Que não se incomodará com as cenas de sexo entre dois homens. Há até um close num oral explícito. Mas, são elementos que combinados a outros entregam um bom filme. Tanto o roteiro, quanto a fotografia, entre outros aspectos, prendem o olhar e a mente do cinéfilo ao se deparar com um drama com ares de suspense.
      Acompanhamos as idas de Franck, um jovem que frequenta um lago de águas reluzentes, onde outros homens se reunem para tomar sol e flertarem. Isso mesmo, nesse lago e no bosque que o circunda, o sexo sem compromisso rola solto. São as famosas "caçações", infelizmente uma realidade entre a comunidade gay masculina. Nessa trama não aparece nenhuma personagem feminina. De início, Franck conhece Henri, um homem solitário. O único que não vai àquele lugar pra caçar, preferindo ficar sozinho do outro lado do lago. Uma amizade é iniciada, entretanto, a mesma não é cultivada além lago, pois Franck logo se apaixona por um estranho bigodudo,de nome Michel, que passa a frequentar o lugar. O que é correspondido, após o acompanhante do "estranho" ser encontrado morto no lago. Mesmo com suspeitas pairando no ar, Franck se entrega aos riscos do envolvimento com Michel. Na verdade, se entrega a todos os tipos de risco a que essas práticas  implicam, pois numa cena de pegação, Franck não portava preservativos. E em meio a gravidade desse misto de sedução dos riscos, há até espaço para comicidade, quando um voyer é enxotado pelos "nudistas em ação", que queriam privacidade nos matinhos. Em outra cena, o mesmo voyer é expulso, pois os rapazes não iriam trepar e sim, discutir a relação.
     O mais abismante nessa trama, é que mesmo com a morte de um frequentador, nada altera a rotina dos banhistas. Ao ser interrogado sobre a morte ocorrida, Franck responde algo como: a gente tem que viver. E mesmo com todas as suspeitas apontando pra Michel, ele se afunda cada vez mais aos riscos do envolvimento carnal, a qual estão entregues muitos frequentadores desses lugares. Em nossa realidade, são muitos os frequentadores, que foram vítimas de algum crime. Mesmo assim, essa prática continua em pleno anoitecer. Na trama, Henri com sua tristeza, representa uma resistência a esses riscos que seduzem tantos jovens (na verdade velhos também) presos aos apelos da carne. Ele se esforça em alertar Franck sobre os perigos que rondam aquele espaço. Mesmo assim a sedução do perigo fala mais alto. E é das águas cintilantes do lago ou do escuro do bosque que o pior pode acontecer.
 
   

Ao correr do teclado II

Ao som de Happy By Pharrel Willians

Uma Thurman em cena de The accidental husband
        Já faz um tempo que me aventurei a apreciar o cinema não hollywoodiano. E foi uma das melhores descobertas que fiz. É um cinema produzido com um afinco e precisão. Algo que é possibilitado sem o peso da clicherização e obviedade que são a base dos filmes “empurrados” às grandes massas. O que por sua vez, acarretou no mito que filme bom é aquele com história comovente  ou de super- heróis. Filmes “parados” nem pensar! Nossos jovens não foram educados para entender os processos artísticos, quaisquer que sejam. O que é arte? Por que o cinema é considerado a 7° arte? Se bem que, essa  nem eu sei. Mas, vou pesquisar.
         Isso me trouxe à tona, um acontecimento marcante da minha graduação: o professor de linguística perguntara “o que é literatura”. Nós, no 1° semestre de letras, fizemos um silêncio sepulcral. Tanto gosto pela literatura; tantas obras lidas por prazer; Todo (de alguns) um interesse em aprender a matéria e, no entanto, foi patético não sequer tentar responder. Devia ser porque estávamos no começo do curso. Mesmo assim, isso revela o modo de vida corrido e objetivo demais do nosso tempo. Há também as malditas distrações que nos cutucam. Eu, por exemplo, fico horas á fio vendo as bobagens da TV aberta e folheando revistas de celebridades. Outro fator patético, é a grande notoriedade que os nossos jovens dão às redes sociais: um ser humano, que tenha até 50 anos não ter facebook é considerado quase uma anormalidade. Tamanha alienação à qual estão submetidas a turma moderníssima desse começo de século.

        Comecei falando de cinema e já me perdi todo. Foco. Foco. Tenho que focar em algo e dar um jeito em minha vida. Mesmo que eu seja repetitivo. Mas tenho que honrar o que me define. O que? Deve ser o ar, o elemento que rege meu signo: gêmeos. Dai a bipolaridade: i’ve been so high. I’ve been so down. Ai Madonna! Sempre me emocionando. Eis uma artista do mainstream  que estará sempre em meu conceito. Poderia me inspirar em sua determinação. Medo é algo que Madonna não conhece. Se conhece, não deixa transparecer. Voltando atrás, esse foco! Foco! É outra lembrança da graduação. Deu saudade dos amigos. Já sei vou sucumbir à maldição hollywoodiana e assistir a uma comédia romântica: The accidental husband. É com a Uma Thurman que  dispensa apresentações. Afinal, sou romântico e não sou de ferro pra ter que ver só filme de arte. Chupa cinema europeu! Ah lôka! Esse filme é estadunidense e irlandês.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Ao correr do teclado

Ao som de Brand New Me, By Alicia Keys

       É com um certo pesar  que nem sei do que discorrer aqui. Bateu um vazio. Uma impotência: “Não é nada é só coisa da sua cabeça” me dirão alguns. O que importa? Aqui estou. Já é outro momento. Consigo superar qualquer coisa. Fingindo não sentir é meu modo de não encarar a realidade. Não nos damos muito bem. Tentei entendê-la mas, até agora é só estarrecimento, estapafúrdia e mais um a porrada de substantivos desagradáveis. E que calor dos infernos! “Mas você é nordestino” disseram-me. Outra escarneou: “O Du é do Sul” Que porra! Falem bem falem mal, mas falem de mim. E assim linda e loira (Who?) mantive minha altivez, com o suor escorrendo em plena tarde no centro paulistano.
       Esse ano vai ser babado. Vai ter copa aqui, vai ter eleições e claro, aqueles velhos problemas que afetam o cidadão comum, que trabalha para pagar um monte de impostos. E muitas vezes, não tem o retorno de sua contribuição. Vou discordar de José Simão: Nóis sofre, mas às vezes nóis não goza. Ao contrário, gozam da nossa cara. Tão tirando a favela. Vide a polêmica dos rolezinhos. Algumas das marcas “ostentadas” pelos famosos participantes dos rolezinhos, não gostaram nada de ter sua imagem associada aos rolezeiros.  “Nóis só quer curtir” dizem eles. Fico pasmo com tanta alienação e aproveitamento disso por parte de outros. Nada está perdido, pra cada ação, uma reação. Uma semente, nem sempre frutificará para quem a plantou. No nascimento do fruto, tantos carpiram a terra, regaram a planta e então, cada um pega sorrateiramente o que lhe convém. Quanto pessimismo né? Pois é. E é tudo tão incerto, como filosofou Clarice Lispector.
       Pra variar, estou abalado por quem sucumbiu a maldição das drogas. Foi no domingo, 02 de fevereiro, um ator hollywoodiano talentosíssimo se foi. Como somos falíveis. Veja só: rico, famoso, uma bela família, carreira em ascensão... ele deixou tudo e todos que lhe admiravam. O mundo está perdido. Eu sei. É tão mesquinho qualquer forma de envolvimento com entorpecentes. Quantos não já se foram? Quantos ainda vão sucumbir a estas? Às vezes dá vontade de ir a um mosteiro e ficar o resto da vida. Talvez o desejo seja mesmo o culpado de nossa infelicidade. Digo, daqueles que recorrem a qualquer meio para não enfrentar, com lucidez e determinação as durezas e complicações das gentes.  Oh espíritos errantes sobre a terra! Castro Alves, seu lindo, errantes era no seu tempo. Agora a coisa tá feia mesmo. Pra se viver, tem que filtrar muita coisa. É tanta informação, tanta promoção, tanta frivolidade, tanta banalização. Cansa só de constatar.



A fruição demasiada de A maçã no escuro

      Muitos críticos literários discorreram sobre a dificuldade de compreensão do romance A maçã no escuro, de Clarice Lispector. Reli-o, e mesmo assim, não consegui extrair o essencial do que a autora quis “desabrochar” com tão densa obra. O que não significa que não tenha gostado do romance. É excelente. Por isso me encarrego de anotar alguns aspectos desse livro, este que segundo a autora, é seu trabalho mais bem estruturado. O que Clarice quis dizer com isso? Bem, esta obra abrange tanto da humanidade em seus desejos, sua linguagem, suas normas... que fica difícil captar o que realmente norteia essa obra. Como pegar uma maçã no escuro?
Edição de 1999 da editora Rocco
       Pois bem. A maçã no escuro foi escrito em 1956 e publicado somente em 1961. O personagem principal desse romance é Martim, um homem que julgando ter assassinado sua esposa, perplexo pela fatalidade desse ato, acaba se refugiando “no coração do Brasil”. Como se todo seu passado tivesse acabado, após o suposto assassinato, Martim renuncia a todas suas habilidades, sua formação, e se submete a trabalhar no sítio de Vitória. Ao chegar no sítio e pedir água, Martim deixa um trabalhador  e a proprietária desconfiados. Fato que se agrava quando ele diz está ali à procura de emprego. Vitória reluta ao dar-lhe emprego, uma vez que Martim se apresenta como engenheiro. E os serviços disponíveis no sítio, eram trabalho para lavradores. Outra desconfiança que perturbou Vitória, era quanto a origem de Martim, que dissera ser do Rio de Janeiro, mas seu sotaque não era carioca. Ela o acolhe no sítio, dando-lhe o emprego. Movida pela desconfiança, empenha-se, em dar severas ordens a Martim. Vitória, administrava o sítio com mão de ferro e tinha como companhia, uma prima sua: Ermelinda. Esta, não nutria o menor interesse pelas coisas do sítio. Era muito sensível e voltada as preocupações do espírito. Fato que Vitória atribuía a uma “infância presa ao leito”. Tal sensibilidade, não a impede de utilizar truques para chamar a atenção de Martim. Truques que dão um tom de comicidade a narrativa, ao lançar mão das frases feitas ditas por mocinhas apaixonadas.
        Pouco a pouco, Martim vai se familiarizando com a rotina do sítio. Uma das passagens mais instigantes, é quando Martim, se vê obrigado a metamorfosear-se numa vaca, para assim conseguir entrar no curral e limpá-lo. Toda a narrativa é tecida de modo a não deixar dúvidas no leitor. O que constatamos a partir das várias comparações (com o uso da conjunção como mesmo) dos pensamentos e atos dos personagens. O que por sua vez, nos leva a crer que é sobre o poder da linguagem que Clarice Lispector quer discorrer. E o assassinato e a fuga, são um mero instrumento para trabalhar a inerente linguagem humana que move o mundo. Outro aspecto que comprova isso, são as frases aspeadas  em várias passagens da narrativa. Essas, retomam a experiência humana em sua missão de existir e ser linguagem. Além disso, a personagem Vitória, confessa a Martim seu desejo de ser poetisa. Mostrando-o, o começo de uma poesia e seu suposto significado. O que contrapõe sua imagem de mulher forte e rude que se apresentara a Martim inicialmente.
        Qualquer que fosse o crime (na verdade não houve) de Martim, haveria a punição. Se seu ato fora em nome de uma libertação, para com os códigos que regem a sociedade, ele haveria de responder por isso. Do contrário, do que adiantaria tanto trabalho que a humanidade teve desde os tempos primórdios? Tantas análises do comportamento humano e do que é melhor pra manter a ordem comum? Estas e outras explanações dão a tônica desse livro clariceano. Este é um exemplar obrigatório em qualquer estante. Especialmente para quem já está familiarizado em assuntos clariceanos.