Esse aclamado álbum rendeu a Madonna diversos prêmios, incluindo quatro Grammys, e sempre figura em listas de melhores álbuns de uma década, de um artista, etc. Quando um trabalho soa muito pessoal, inerente a quem o produz, é quase certo que as pessoas comprem essa ideia. Como se uma verdade irremediável estivesse esperando a hora certa de ser revelada. No caso de Madonna, as verdades oriundas da"descoberta da maternidade". Já no século XXI, artistas como Adele e Amy Winehouse expurgaram suas decepções amorosas na concepção de 21 e Back 2 Black, respectivamente. Nem é preciso dizer o sucesso que foi, e são, estes discos. Claro que isso não é algo inédito, apenas são fatos musicais do período em que vivo e acompanho, ao longo da história os artistas inevitavelmente fizeram o mesmo que Adele ou Amy Winehouse. o fato é que quando uma obra alia verdade pessoal e técnica - Madonna é doutora nesse quesito- é certo que o sucesso virá. Ray of light é o tipo de obra que se torna melhor a cada audição, um ponto alto na discografia de Madonna. A cantora possui um vasto acervo musical, todavia há discos que foram menosprezados pela crítica e pelos fãs também, por exemplo o M.D.N.A, de 2012, que teve até turnê passando pelo Brasil. E esse álbum de 2012 tem até as incríveis "Love spent" e "I'm sinner". É um bom disco. Não chega aos pés do Ray of light, óbvio. O disco de 1998 é completo. Encanta, ferve e emociona a cada ouvida.
Reflexos
domingo, 25 de fevereiro de 2018
Ray of light, a masterpiece
No último dia 20 de fevereiro uma obra prima musical completou 22 anos: o disco Ray of light, da cantora Madonna. Trata-se de uma espécie de trabalho arrebatador, que consegue agradar a crítica especializada e aos fãs, sendo que esses costumam aprovar tudo que seu artista favorito produz. Já ouve quem perguntasse a Madonna que "raio" caiu sobre ela para que ela criasse uma obra tão fascinante quanto esse álbum. Uma das razões, certamente está ligada à maternidade, uma vez que pouco antes do surgimento do Ray of light ela dera a luz a sua primeira filha, Lourdes Maria. Muitas das canções desse álbum são repletas de referências à filha, canções de arranjos ternos como "Litlle star" ou a ultra dançante "Nothing really maters". As letras simples de Madonna conseguem comover os ouvintes, ao passo que os arranjos eletrônicos produzidos por William Orbit, trazem o tom de vanguarda para uma obra de alcance popular. Não é preciso ser fã de Madonna para sucumbir aos vocais intensos e que convidam à meditação de "Frosen", música que possui um videoclipe fascinante. E o que dizer da música que intitula o álbum? Que vibe positiva! Uma explosão de energia que pulsa rumo ao infinito, tamanha é a sensação de felicidade que essa canção traz - a mim que pulo pelos cômodos da casa arranhando a língua de Shakespeare- todavia há canções do Ray of light mais fáceis de cantar, como a faixa sombria que abre o álbum: Drowned world/Substitute for love.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Forever, Spice Girls
Forever- ano 2.000 Gravadora- Virgin Records |
Quem era adolescente nos
anos noventa, certamente acompanhou o sucesso provocado por cinco meninas
inglesas: as Spice Girls. Elas revolucionaram a música pop, arrebatando fãs no
mundo todo e souberam aproveitar bem essa fase ao colocarem sua imagem em
diversos produtos que iam de câmeras fotográficas a bonecas, isso sem contar no
filme Spice World, uma narrativa comum apenas pra contar a rotina das meninas
que queriam ser “elas mesmas” mas sentiam-se presas aos compromissos impostos
pelo sucesso, ou seja, mais um produto pra faturar na onda desse fenômeno pop.
Bem, o resto os fãs já sabem, esse sucesso não se manteve logo que uma das integrantes,
Geri Halliwel, agora Horner, caiu fora alegando diferenças entre elas. O grupo
tentou seguir só com as quatro, mas cada uma acabou investindo na carreira
solo.
A fase com apenas quatro
integrantes não foi acompanhada por mim, fã das cantoras de carteirinha, fato que
atribuo por não ter acesso à internet na época, começo dos anos 2.000 e também
porque talvez eu estivesse acompanhando o sucesso de Britney Spears ou Christina
Aguilera, isso sem NEVER abandonar Madonna, a melhor artista de todas. Então,
passei batido pelo álbum “Forever”, sim, um título no mínimo irônico, pois as
cantoras não continuariam com o quarteto, apesar de afirmarem em seus shows que
seguiriam sim “forever”, apesar dos tabloides ingleses anunciarem o fim do
grupo. Inclusive nesse álbum há uma canção, Teel me why, que muitos atribuem a debandada de
Geri, ou seja, como se fosse uma indireta das meninas à integrante que
abandonara o grupo sem maiores explicações:
So tell me why – oh why
Did we end up this way
When we tried – we tried
To make everything ok
Teel me why – oh why
Did you feel you couldn’t stay
When we coud have stayed together
But you wanted it this way
O disco “Forever” difere dos
antecessores em muitos aspectos,
sobretudo na sonoridade, que passa a ser menos eclética – o Spice World tinha elementos
de música latina, disco, jazz, entre outros- aqui as canções são em sua maioria
baladas lentas e canções de R&B, tal o som de grupos como o extinto Destiny
Child ou TLC, o que muitos críticos e fãs definiram como um som “americanizado”.
Isso não quer dizer que Forever seja um álbum esquecível, ao contrário, esse
disco traz baladas incríveis e aquele pop à la Spice como Holler, primeira
música de trabalho na ocasião do lançamento. Sem falar que nele podemos
assimilar melhor o vocal das moças, pra constatar, claro, que Melanie C é muito
afinada e que nesse quesito a Ginger não fez muita falta. Em Forever Melanie B
investe mais em seus rappers dando aquele up em canções como Weekend love e
Right Back at ya e o que dizer da voz doce da Emma Bunton? Já Victoria pode não
ser uma boa vocalista, mas seu estilo e empolgação são incontestáveis para o
Girl power! Forever é um disco viciante,
deveria ser melhor aproveitado – apenas quatro canções dele estão incluídas no
Greatest hits das Spice – inúmeras são as possibilidades de hits que renderiam,
principalmente as baladas românticas, como Time goes by, por exemplo. E já que
as Spice estão ensaiando um retorno, nada como escutá-las em Forever, já que os
hits dos dois discos anteriores sempre tocam em rádios adulto-contemporâneas
ou em diversas ocasiões, afinal elas chegaram a ser comparadas aos Beatles,
então seus hits jamais serão esquecidos.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
A gente mora no agora, de Paulo Miklos
A gente mora no agora- 2017 |
Um dos trabalhos musicais mais
surpreendentes do ano passado é o álbum “A gente mora no agora” do ex-integrante
do Titãs, Paulo Miklos, trata-se de um verdadeiro alento num cenário musical
onde acaba predominando fenômenos do sertanejo (sofrência), funk, sertanejo-universitário entre outros estilos que pouco agregam à memória musical da famigerada
MPB. É fato que Paulo Miklos possui vasta experiência na música, todavia o fato
dele trabalhar um álbum e trazer bons resultados como é o caso desse incensado A
gente mora no agora é de grande relevância em tempos em que os haters blasfemam contra Anita, Pablo Vittar, os milhares de MC,s sem sequer pesquisar sobre a democrática cena musical, resumindo: creem que a MPB está restrita a estes fenômenos e que a glória musical ficou num distante passado, ignoram que nomes como Gal Costa vai muito bem, obrigada, com seu deslumbrante DVD estratosférica ao vivo, por exemplo.
O trunfo de A gente mora no agora é a sua
pluralidade, que por sua vez está atrelada às parcerias que vão de compositores
oitentistas às últimas revelações, ou seja, todas as faixas foram compostas em
parcerias com músicos que vão de Guilherme Arantes a Tim Bernardes, de Arnaldo
Antunes a Silva, além de cantoras da atual safra como a musa original Céu, a
jovem Mallu Magalhães e a rapper Lurdez
da Luz. Esse projeto de Miklos rendeu bons frutos, sua parceria com Nando Reis,
a música “Vou te encontrar” entrou direto na trilha sonora da novela O outro
lado do paraíso, trama que está dando o que falar, como toda novela global das
21 horas, repletas de clichês, mas isso é outra ideia... O fato é que a canção
é deveras radiofônica, é uma composição intimista, triste, mas cheia de
esperança, o oposto de “País elétrico”, feita em parceria com Erasmo Carlos e que denota um teor irônico, satírico e até corrosivo por tratar-se de uma
constatação real de que no Brasil caem muitos raios, perante isso o refrão
entoa:
Raio que parta
O mentiroso
Arrogante e vaidoso
Sociopata
Rei da mentira
Um projeto de
bufão
Um bosta sem
noção
Um nefasto
cidadão
Ao cantarmos esse refrão imediatamente nos vem
à cabeça esses sujeitos que dizem administrar o país, mas só administram em
causa própria, restando a nós, sofridos brasileiros, engolir goela abaixo, segurando na dignidade
pra não explodir. País elétrico é uma canção que nos remete ao grupo Titãs,
pelo teor de crítica social tão característico à rebeldia questionadora do
rock. Outra canção que vale destacar é a despretensiosa “Não posso mais”,
composição de Mallu Magalhães que aqui reforça o mesmo embalo de sua colaboração
para o Estratosférica, da cantora Gal Costa. Cabe lembrar que ambos os trabalhos,
tanto o A gente mora no agora, quanto Estratosférica, possuem o mesmo conceito,
celebram o momento presente, sem esquecer o passado, antes fazem uma ponte com
o futuro: trazem artistas que tiveram seu apogeu e também artistas que podem
ainda, quiçá, criar algo primoroso, já que estão aí, em plena atividade. É o
momento em que se está vivendo que importa celebrar nesses dois álbuns,
doravante muitos dos responsáveis pela realização de obras tão magníficas são
profissionais como : Pupilo, Marcus Preto, Céu, entre outros, desse modo quem
curtiu o álbum da Gal, certamente apreciará o LP ( o fascínio por vinil) do Paulo
Miklos, um disco que não tem como não gostar à primeira ouvida. E mais: não dar vontade pular nenhuma faixa, pois cada uma nos conquista, seja pelo arranjo frenético - o frevo de "deixar de ser alguém"- ou pelo lirismo de "Princípio ativo" e "Eu vou".
sábado, 27 de janeiro de 2018
A forma da água
Sally Hawkins em cena de A forma da água |
Sem dúvidas, o filme
A forma da água é um dos melhores entre os que concorrem ao Oscar desse ano.
Foi essa produção que trouxe de volta o prestígio de Guillermo Del Toro,
anteriormente em baixa devido a produções fracas e esquecíveis como A colina
escarlate. Em A forma da água, Del Toro apresenta elementos sempre presentes em
sua filmografia, como o apreço por monstros, a exemplo de seu filme mais
cultuado: O labirinto do fauno. No indicadíssimo ao Oscar, acusado de plágio e
ousado por conter um certo erotismo “The shape of water” ou em português mesmo, A forma da água, há uma
criatura que podemos chamar de homem- peixe (?), que fora capturada pelos americanos
na Amazônia, nessa história que se passa na época da Guerra fria, onde os Estados
Unidos e a Rússia viviam sob forte e
bélica rivalidade.
Em meio a tensão
desse período, uma faxineira muda, interpretada por Sally Hawkins se sentirá atraída pelo “monstro”, já que este também não
fala e seria tido como uma aberração pela sociedade, sempre preocupada em
dominar o mundo e a própria natureza, ou seja, desse modo para o “homem-peixe”,
ninguém, exceto os profissionais que estudam essas espécies, poderia nutrir
alguma simpatia por tal “monstro”. Todavia,
a curiosidade de Elisa, a faxineira vivida por uma inspirada Sally Hawkins,
resvala para o mais puro dos sentimentos: o amor. Doravante ela lançará meios
de interação (apenas com a linguagem de sinais) com o “monstro”, centro da
disputa entre um sádico segurança americano, interpretado magistralmente por
Michael Shannon e o cientista Bob – Dimitri interpretado por Michael Stuhlbarg,
este também em boa atuação. No decorrer da narrativa, o espectador perceberá
quem realmente é o monstro, ou seja, óbvio que menos uma espécie de homem-
peixe que uma própria criatura ciente que fora feita “a imagem e semelhança do
Criador”, como fala o prepotente e ameaçador personagem de Michael Shannon às faxineiras Elisa e Zelda, personagem de Octavia Spencer, o típico personagem que Octavia costuma
interpretar: falastrona, amigável e com um quê de comicidade, esta, é amiga de
Elisa assim como o vizinho da mocinha: Giles, vivido por Richard Jenkins.
Impressiona como nessa
fábula, onde temos uma criatura desprovida do que é belo, ao mesmo tempo possua
uma imensa beleza presente tanto na entrega da personagem de Sally,
merecidamente indicada ao Oscar de melhor atriz, como na fotografia composta
por tons de verde ou azul, bem como o fiel retrato dos anos sessenta personificado nos carros, na arquitetura, no vestuário
e tudo o mais. Além da trilha sonora ser um deslumbre! Contando até com uma
canção de Carmem Miranda. Convém ressaltar que o mais belo em A forma da água é
a atuação de Sally Hawkins, que lança mão de uma expressividade absurda munida
apenas de gestos, expressões e do semblante sonhador e amoroso com que conduz
seu romance até o fim dessa fábula. Sally já havia sido indicada ao Oscar de
melhor atriz coadjuvante por Blue Jasmine, agora conseguiu um papel em que seu
talento foi comprovado, uma vez que em outros filmes era geralmente
subaproveitado. Ela merece vencer na categoria de melhor atriz. E claro, Del Toro realizou um filme completo: uniu realidade e fantasia expondo virtudes e fraquezas humanas de uma maneira em que tudo se encaixe seja nas cenas que tematizam a guerra fria ou no cotidiano da sublime Elisa.
domingo, 31 de dezembro de 2017
Outros Cantos, de Maria Valéria Rezende
1° edição, Editora Alfaguara, 2016 |
O romance Outros
cantos, de Maria Valéria Rezende é uma narrativa realizada em primeira pessoa onde a protagonista delineia uma série
de reminiscências na qual predominam sua estadia num povoado do sertão
nordestino chamado Olho D’água. Trata-se de uma leitura muito fluida, pois é
narrado com uma simplicidade e coerência, embora vez por outra o leitor esbarre
em algum vocábulo peculiar, pertencente ao dialeto regional do lugar
rememorado.
O sugestivo título Outros cantos alude aos
diversos lugares que a protagonista Maria visitara, sempre em prol de missões
humanitárias, sobretudo a de educadora, função que a levou a Olho D’água,
lecionar para o antigo Mobral, hoje EJA. Passado quarenta anos, Maria retorna
ao sertão e durante o trajeto num ônibus põe - se a relembrar das agruras que
passou ao pisar numa terra castigada pela seca e povoada por pessoas tão
humildes e ignorantes, mas que a receberam de coração aberto. Se eram
ignorantes, sua missão ali faria todo o sentido. Será? Por mais que a predominância
seja uma ligação afetiva, criada a partir da empatia da protagonista para com
as carências do povo de Olho D’água, sobretudo a sertaneja Fátima e seus
filhos, a narrativa não deixa o debate político de lado uma vez que Maria tenta
incutir na população um pensamento crítico, ou seja, induz o povo a pensar na
política daquela localidade, em plena época do regime ditatorial.
Pode-se categorizar como um livro de
memórias, pois é notório o forte saudosismo impresso na narrativa, sobretudo
quando Maria compara o sertão de hoje, avistado da janela do ônibus de modo
preciso, com o sertão de outrora que trouxe à protagonista tantas descobertas.
As lembranças de Maria são compostas pelo trabalho árduo das pessoas do
povoado; pelo aboio dos vaqueiros; pelas histórias contadas pelo povo, algumas
em forma de repente; pelas festividades religiosas, entre tantos aspectos
comuns àquela região. Tudo rememorado de maneira que Maria, ao contrário dos outros
passageiros, não se sente ansiosa para chegar ao destino,pois um forte saudosismo daquele primeiro sertão, tão característico em sua aridez, toma conta de sua mente e ela percebe que aquele lugar, devido a algum progresso, já não é mais o de outrora. Talvez por conhecer
de perto a vida em lugares semelhantes ao retratado em Outros Cantos minha
leitura foi rápida, não precisei do dicionário em nenhum momento, o que não se
pode negar que o leitor nascido numa metrópole não recorra a ele. Todavia as passagens
no presente, em que a narradora tece críticas ao nosso tempo, seja da rapidez
imposta a todos nós: “Não é só o fast–food no estômago, é o fast-food no
cérebro: fast-news, fast-thinking, fast-talking, fast-answering, fast-reading. Parece
um complô para me obrigar a ser cada vez mais fast, em tudo, a ser avaliada e a
me avaliar pela minha rapidez de resposta e de atualização. Ave!” (p. 72) corresponde ao que mais achei interessante nessa narrativa, pois denota uma
lucidez e autenticidade que só uma pessoa autêntica e criativa possibilita na
composição de uma literatura cativante e rica em memórias. É possível uma
comparação com Vidas Secas, do Graciliano Ramos, sobretudo na linguagem de
ambos, direta sem adornos, apenas tecendo o fio das memórias, que como sabemos,
é fotográfica.
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Como nossos pais
imagem da cena inicial do filme de Laís Bodanzki |
Como nossos pais é um
filme dramático que aborda a difícil situação de uma mulher ao tentar conciliar
os vários papeis impostos a ela nos nossos dias. Ser mãe, lidar com os
percalços do casamento, abrir mãos dos sonhos profissionais para poder viver do
que é possível no presente, ou seja, trabalhar num ramo apenas pelo dinheiro,
entre tantos outros desafios é uma tarefa hercúlea. Some-se a esses fatores uma notícia
bombástica acerca de sua paternidade proferida por sua mãe num pleno almoço de
domingo! Eis a cena inicial desse drama que já incute no telespectador a
vontade de conferir o desenrolar dessa narrativa cinematográfica.
Com atuações convincentes de Maria Ribeiro e
Clarisse Abujamra, mãe e filha nesse longa dirigido por Laís Bodanzky, esse
filme abarca uma gama de conflitos de modo bem articulado na narrativa. Não
basta Rosa lidar com o fato de sua mãe ter escondido a verdade de sua
paternidade por várias décadas, o homem a quem ela o considera seu pai não
passa de um fracassado artista a se aproveitar das mulheres por ele
conquistadas; a empresa em que Rosa trabalha a demite após uma “cagada” das
grandes onde numa importante reunião ela,
atabalhoadamente, apresenta um arquivo contendo uma peça de teatro ao invés do
projeto empresarial sobre utensílios de banheiros. Para entornar ainda mais o
caldeirão de infortúnios de Rosa, ela desconfia que seu apático marido tem uma
amante! Mas não para por ai...
Este filme tem vários méritos, um deles é a
pincelada de humor que vez por outra salta nas frestas desse convincente drama.
Nesse núcleo pertencem o pai (artista fracassado) de Rosa e sua meia-irmã, uma
adolescente com os hormônios fervilhando em rebeldia – com a cara do século
XVI- claro! Além das falas do roteiro serem bem inteligentes. Por exemplo,
quando Rosa conta estorinhas para as filhas elas pedem para ouvir a história da
Eva, ao menos esse incauto espectador sequer atinou que seria nada menos que a
narrativa bíblica e, pra variar, a passagem em que Deus determina um castigo à
mulher após ela e Adão terem cometido o pecado. Ao enveredar por esse lado- a
mulher sempre oprimida- o longa corre o risco de ser taxado como obra de cunho
político feminista, mas isso é apenas um dos modos de categorizar o cinema
contemporâneo. O importante é que Como nossos pais não é “dramalhão barato-forçado”, muito menos, mero entretenimento, mas um filme muito bem realizado
que não comete firulas visuais, mas foca no roteiro e nas boas atuações do
elenco.
Não bastasse os acertos do filme de Laís
Bodanzki já citados, o mesmo ainda traz uma canção da Céu, uma das artistas
mais originais da safra de novas cantoras, na trilha sonora. Em suma, é
daqueles filmes que prendem a atenção pelo realismo das cenas, sobretudo aquelas que retratam o cotidiano mais banal, por exemplo, nas birras da filha de
Rosa, beirando a pré-adolescência. Um teste de paciência que faz qualquer mãe
contar até três, respirar fundo pra não perder a linha, mas o instinto materno
fala mais alto mesmo, enfim, o máximo que ocorre é Rosa esquecer o leite no fogão.
Ops, outro spoiller. Sorry, nada que estrague a experiência de um filme que
incute inúmeras reflexões acerca da maternidade, do direito da mulher em ser
tão livre quanto o homem e de amor em seu sentido amplo. Nada mal, cinema nacional.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
A ousadia de Clarice
1° edição, Artenova,1974 |
A Via Crucis do Corpo
é um pequeno volume de contos escritos por Clarice Lispector em 1974.
Desnecessário falar que essa obra praticamente fica nas sombras dos aclamados
trabalhos da autora, como a novela A hora da estrela ou os romances A paixão
segundo G. H. e Perto do coração selvagem. Mesmo no ambiente acadêmico, onde as
pesquisas sobre a obra de Lispector são abundantes, são raros os que se detém
sobre A via crucis do corpo. Por qual motivo esse livro é considerado obra
menor? Não haveria neste o mesmo elemento criativo presente nos livros
consagrados?
O fato é que o livro
foi muito mal recebido quando da época do seu lançamento, 1974, alguns críticos
taxaram a obra de lixo e que seria melhor não ter sido lançada. A professora
Vilma Âreas, argumenta que a ousadia do livro, sobretudo por apresentar personagens pouco convencionais, como senhoras sexagenárias (octogenárias também) com
desejos sexuais, prostitutas e travestis disputando o mesmo homem, moças recatadas seduzidas por extraterrestres e até uma paródia do texto bíblico da Anunciação, entre outros,
foi um dos fatores que gerou o desprezo por essa obra. Inclusive a própria
autora, relata um desprezo no texto Explicação: “Uma pessoa leu meus contos e
disse que aquilo não era literatura, era lixo. Concordo. Mas há hora para tudo.
Há também a hora do lixo.” (P.12). Todavia, como Clarice Lispector é uma escritora
intuitiva - os romances comprovam isso - é fácil compreender que uma obra sob
encomenda como é o caso de A via crucis do corpo, acaba por tolher a sua
liberdade criativa. Na melhor das hipóteses testa os seus limites, uma vez que
a própria argumenta que “tratava-se de um desafio”.
Além dos contos
polêmicos, que são cheios de humor, essa
coletânea apresenta quatro crônicas que relatam o processo escritural dos conto
de A via crucis, ou seja, a autora permite-se a uma proximidade com o seu
leitor, até então desconhecida do público que a imaginavam uma pessoa tão
misteriosa quanto a esfinge. Essa aura de mistério em torno de Clarice é
oriunda de seus profundos textos como A paixão segundo G.H. , romance denso que
jamais se esgotaria numa só leitura. Em contrapartida, o volume A via crucis do
corpo é escrito numa linguagem simples, apesar que é uma obra repleta de
referências que vão de elementos do cinema ao texto bíblico, ou seja, o
simbolismo acompanha Clarice até mesmo em seus trabalhos menos rebuscados. Vale
ressaltar, que é necessário ler A via crucis do corpo, atendo-se que é um
trabalho meramente ficcional, onde a autora concatena suas ideias com a
finalidade de tecer uma imitação da vida. Nessa imitação da vida, há espaço pra
muita fantasia. Contrariando aquela música popular do nosso tempo, em A via
crucis do corpo há espaço para ousadia e tristeza. Mas eu dissera que há muito
humor nos textos... bem, leiam esse livro de Clarice.
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