sábado, 29 de agosto de 2015

O Fantasma de Canterville

O Fantasma de Canterville foi o primeiro contato que tive com a grandiosa obra de Oscar Wilde, logo fui seduzido por aquela narrativa que, a princípio, como foi nas primeiras leituras que empreendi na vida, julguei ser uma estória infantojuvenil. Embora, pelo aspecto fantástico, satírico e ainda dispor de um fundo moralizante seja realmente aconselhado aos jovens que iniciem suas incursões literárias por este O Fantasma de Canterville ou outros contos Wildeanos, como O príncipe feliz; O amigo devotado, por exemplo.
Certamente, muitos conhecem esse conto, onde, como ecoa a expressão popular “o feitiço vira contra o feiticeiro”, pois o Fantasma de Canterville ver seus três séculos de vitoriosa dominância assombrosa em seu castelo ser ameaçado quando uma família americana muda-se, devidamente advertida sobre sua maldição, para aquele lugar. A partir daí, toda a aura supersticiosa e outros traços que definem as linhagens inglesas e os habitantes de “sangue azul” sentem-se insultados pela família americana e suas maneiras sem o refinamento, tão característico do velho mundo. Cujo refinamento e outros aspectos da finese inglesa  são personificados pelo fantasma de Canterville, além de ser um traço característico da estética de Oscar Wilde.
O fascinante nesse conto é a maneira de Oscar Wilde, sutilmente e até mesmo de modo lúdico expor a superficialidade da aristocracia inglesa, na época (século XIX) presa a um egocentrismo totalmente alheio à praticidade e ideal de progresso do novo mundo, representado aqui pela família americana que para qualquer problema tinha a solução, inclusive para enfrentar um fantasma com um histórico de terríveis crimes sobrenaturais. Esse pragmatismo americano assume contornos satíricos, apesar da sutileza, onde a vítima é a própria sociedade inglesa e seus hábitos e crenças ultrapassados que acabam sobrepondo-se aos nobres sentimentos da humanidade.

O fantasma de Canterville é um texto grandioso por conter elementos diversos como: mistério, humor, crítica social e um olhar para a nobreza do verdadeiro amor. Não surpreende servir de título as várias coletâneas de contos de Oscar Wilde. Sua leitura, consequentemente levará o leitor a conhecer mais da fundamental e maravilhosa obra de Wilde em suas peças, contos, cartas e sua obra prima: O retrato de Dorian Gray.   

domingo, 23 de agosto de 2015

Uma Cama Quebrada e a Alma Devastada


“Nada melhor do que o inusitado para definir ou redefinir o velho.” Este é um excerto da obra literária Urânios, da autoria de Roberto Muniz Dias, que resultou numa adaptação teatral intitulada “Uma Cama Quebrada”. O texto aborda um tema delicado, o qual, poucos  exploram com profundidade esse aspecto do comportamento humano. Falo do poliamor, termo que se refere  ao relacionamento aberto, cujo assunto, divide opiniões mesmo em mentes mais esclarecidas da sociedade ultramoderna.
Em “Uma cama Quebrada” vemos, sob a perspectiva de um terceiro integrante, um relacionamento homoafetivo “supostamente estabilizado” em seu cotidiano onde os componentes (casal + novo integrante) expõem na dinâmica do lar, suas aptidões, seus gostos, etc. Todavia, acabam trazendo à tona revelações até então impensadas. A tentativa de juntar o “amor proteção” e o “amor alimento” assume contornos outros, que não o esperado por quem adentra nessa modalidade poligâmica. Seria a busca pelo amor o ideal de todo indivíduo? Amor e sexo podem ser indissociáveis? Seria o olho da verdade restrito a um único indivíduo? Muitas são as questões que o intenso texto de Roberto Muniz Dias incita e a acuidade, a exploração que atinge o âmago dos desejos responde a maioria delas. Fator primordial, sobretudo a juventude que tende a não procurar informações sobre o que pode implicar a inserção nos relacionamentos e suas modalidades.
O drama intercala a rotina do casal (em terceto) com um monólogo em que o personagem principal dialoga com um quadro de um galo colorido, feito a pedido de um de seus pares. O outro “amor?” pedira que pintasse um poema de sua autoria. Essa atitude estabelece um abalo à harmonia do casal, pelo fato do “outro”, que pediu a pintura do galo, desconhecer o fato daquele gostar de escrever. É traço marcante da escritura de Roberto Muniz Dias a busca pela essência das sensações, dos desejos que por vezes resvalam em ecos da tradição, que inscreve no presente o significado de cada coisa. Por isso o espanto com a ausência de fotografias do casal. Onde estariam às lembranças da vida conjugal, as viagens, comemorações?  Seriam eles um casal “feliz”? Sua inserção naquela relação visava realmente o quê? Seria aquele casal, agora em terceto, a representação de uma relação já fadada ao fracasso?

Uma Cama Quebrada, tem o mérito de abarcar de modo autêntico e ousado as questões que muitos tocam apenas superficialmente. A encenação, expõe ali, aos olhos da plateia um retrato fiel da contemporaneidade em sua busca da resposta a seus anseios amorosos, ou seria suas carências? Mesmo que para isso, tenha que contrariar as regras estabelecidas, as convenções ou o que pode ser mais pungente, quando a própria identidade individual encontra-se esfacelada em decorrência das desilusões.

sábado, 15 de agosto de 2015

Envolto na obra A Teia de germano

Há um dito popular que apregoa “não julgar um livro pela capa”, no entanto, se o livro em questão for A Teia de Germano, de Roberto Muniz dias, esse dito revela-se totalmente descabido, pura falácia. A imagem da capa compõe-se de um mural de correspondências, algumas até sobrepostas a outras, tendem a incutir a ideia de que o conteúdo dessa obra seja um conjunto ordenado de diversas cartas, ou seja, a teia a qual o título alude. Todavia, de que forma esse conjunto (a teia) é engendrada? Que o leitor se prepare para adentrar numa teia instigante, intensa e que uma vez imerso nela, não há como desprender-se sem compartilhar das angústias e buscas das personagens.
O cerne dessa narrativa é uma teia oriunda de um personagem de uma importante obra: “Ilusões da grandeza humana”, que tem Germano como personagem que se desenvolve à medida em que flui o enredo da referida obra de autoria de “Erich H. Writ”. Isso mesmo, A teia de Germano é composta por uma intensa exploração da metalinguagem, como bem observou o jornalista Ben Oliveira. Por isso a opção pela  ficção dentro da ficção, ou melhor, ficções, cada uma com seu respectivo grau de intensidade e reflexão. A premissa soa simples, um excêntrico e renomado escritor, Erich, incube a um “escritor de um livro só”, Lúcio, que se encarregue de suas memórias, entretanto, ao passo que este analisa cartas, fotografias e recorda os três romances aclamados de Erich para escrever sua biografia, envolve-se de maneira obsessiva com os fatos suscitados pelas vivências do outro ( Erich) que começa a enclausurar-se e viver sob a tormenta do seu próprio e traumático passado de abandono.
Lúcio, é o personagem mais angustiante dessa narrativa. Impossível não se sentir tocado pela melancolia que o acompanha em sua posição  existencial indefinida, alocada entre o presente e o passado. Numa tentativa de fundir os dois, além de  sua insana busca pela essência das coisas tal qual, as passagens em que adquire uma vitrola para resgatar um hábito que fora de seu pai. O que é “vivenciado” de forma ritualística, na verdade, Lúcio fez de sua vida um ritual em todos os aspectos, sobretudo nos momentos de solidão em que ele é mais depressivo que a burguesa G.H. e sua comunhão com a barata. Lúcio, entra em comunhão com os  inúmeros relatos que lhe vieram, das estórias ouvidas na infância, passando por Moby Dick, até Ilusões da Grandeza Humana, obra que lhe apresentou Germano e claro, os clássicos da literatura universal.
Devo ressaltar que A Teia de Germano consiste em bem mais que a reconstituição de uma vida, de um autor e suas obras (Erich H. Writ e sua literatura) através de Lúcio. Aparecem outras personagens importantes que foram envolvidas ou influenciadas por Germano, como Isadora, um significativo caso amoroso de Erich, além de Isabela, a agente literária que pouco aparece na narrativa, mas constitui  “peça” fundamental para compreendermos  a formação dessa intricada e envolvente teia. A literatura de Roberto Muniz dias é um emaranhado de sensações, descobertas e movimentos que nos revelam um penetrante olhar para o que somos e por quê?