Edição da L&PM, 2012 |
O jovem pretensioso mais conhecido como “menino
do Acre”, disse em entrevista ao Fantástico, da rede Globo, que as pessoas
deviam buscar o “mistério”, seja lá o que raios ele entende por isso e nem estou disposto a ler seu livro para entender. Recordo-me, que nada me aproxima
mais do mistério, que as incansáveis aflições descritas em obras de
Clarice Lispector ou de Caio Fernando Abreu, este, totalmente influenciado pela
canonizada ucraniana. Certamente Caio adequa-se a categoria formulada por Ezra
Pound de escritores que conseguem tornar um estilo de escrita ainda mais
consistente, não que “consistente” seja a palavra designada por Ezra, mas a
ideia era essa. Os iniciados na literatura de Caio já perceberam que ele
utiliza várias passagens clariceanas como epígrafes de seus textos, aliás, numa
carta publicada em “Morangos mofados” ele diz ter conhecido pessoalmente a
escritora e que ela é infelicíssima por causa de sua “compreensão sagrada de
tudo”.
Bem, devo dizer que sinto um certo incômodo
quando “recortam” frases do Caio ou da Clarice, e não sentem curiosidade de
saber o contexto em que eles empregaram, ou seja, não buscam o texto na
íntegra. Claro que ninguém é obrigado a gostar de ficção, mas por mais que
ficção e realidade estejam intrínsecas, há de se considerar o processo escritural,
o gênero textual, enfim, o fenômeno texto, então, vale a pena recorrer à obra
do escritor. Pois foi só ouvir o “menino do Acre” falar de busca ao
conhecimento, ao mistério, etc, corri e peguei da estante minha edição de bolso de O ovo apunhalado.
Confesso que não compreendo muito bem esse projeto escritural do Caio, isto é, entender,
por exemplo, as divisões dos capítulos, para fazer uma crítica
descente, mas esses textos me lançam numa compreensão absurda da existência.
São textos que denunciam o estado de negação a que estão submetidas as pessoas
que não aceitam, e sequer cogitam aceitar, o outro, pois estão fortemente sob
controle das amarras sociais amparadas em arcaísmos religiosos, num poder
opressor, etc. Era uma época realmente melancólica, esta descrita nos contos de
O ovo apunhalado, o conto “Retratos” que aborda de modo pungente a passagem do
tempo, também expõe o quanto a sociedade era impiedosamente excludente nessa
época, pois os textos foram escritos entre 1969 e 1973, ou seja o período
lembrado como “página infeliz de nossa história”, como canta Chico Buarque.
O ovo apunhalado foi prefaciado pela genial Lygia
Fagundes Telles, só por isso já é digno de ser lido. Sei que os mais entendidos
em textos do Caio, são muito tocados pela profundidade ou pelo subjetivismo de
textos como “Para uma avenca partindo”- existem inúmeras leituras desse texto
no Youtube, entretanto, confesso que os contos que mais me tocaram são: “Gravata”,
“Oásis”, “Retratos”, “O afogado” e “Uns sábados, uns agostos”, entre outros.
Gravata, porque o conto vai tomando um rumo surpreendente até culminar no
desfecho fatal; Oásis porque evoca a infância com toda a ingenuidade e travessuras
que muitos de nós tivemos; Retratos, citado anteriormente, porque fala da
empatia que devemos ter com os excluídos da sociedade - por que essa resistência,
se o outro é feito da mesma matéria? Esse texto abarca um silêncio e um mistério
personificado no artista plástico que faz um retrato do protagonista por dia,
no decorrer de uma semana; O afogado, porque
além de expôr a ignorância social que encerra outras possibilidades de
vivência, num enredo bem construído, é intercalado por um fulminante monólogo
interior; e por último, Uns sábados, uns agostos porque, dentre outros motivos,
é um conto escrito dentro da técnica clariceana. O ovo apunhalado é um dos meus
livros favoritos, da vida.