sábado, 31 de outubro de 2015

Sobre Laurence Anyways

O ator francês Melvil Poupaud é laurence: determinada

Laurence anyways é o terceiro longa dirigido pelo “jovem” cineasta e ator canadense Xavier Dolan (Amores imaginários). A referência  jovem diretor, já é um clichê, pois o moço chamou a atenção da crítica e de cinéfilos em geral logo em seu debut aos  19 anos, com o semi – autobiográfico “Eu matei minha mãe”. Em seguida veio Amores imaginários, ainda exacerbando a beleza de sua própria natureza privilegiada , apostando em trilhas sonoras que vão do clássico ao indie, e também apresentando  uma esplêndida fotografia .
Em Laurence anyways, saem os arroubos exibicionistas (narcisismo, vasta bagagem cultural) e entram o drama e por conseguinte, a essência das personagens, ou seja, o roteiro ultra dramático permite que se extraiam atuações catárticas dos atores, aqui isso fica a cargo de Melvil Poupaud, como Laurence “anyways” e Suzanne Clemént, como Fred, esta entrega uma Fred arrebatadora, a qual lhe rendeu prêmio em festivais e um novo filme de Dolan: Mommy. Bem, atendo-se ao filme em questão, Laurence anyways é daqueles filmes surpreendentes, aborda um tema comum, mas envereda por outra nuance: Laurence Alia é casado há dois anos com Fred, e em seu aniversário de 30 anos revela à esposa que pretende assumir uma identidade feminina, pois vivera uma mentira durante toda sua vida. O choque é iminente a todos que recebem a notícia, porém, é no trabalho de Laurence (professor universitário) onde ele é menos compreendido, resultando em sua demissão devido a queixas formais de pais de alunos, uma vez que Laurence, num ato revolucionário assumiu a sala de aula em trajes femininos, o que para a época remontada, o ano de 1989, era um tabu.
O foco desse filme não é a transexualidade como estamos acostumados a ver, Laurence anyways aborda a transgressão de gênero, mas não cai no debate homossexual em si, pois a personagem de Melvil continua apaixonada pela esposa, que no começo até o ajuda a assumir sua “nova” e verdadeira identidade, uma vez que Fred com sua cabeleira vermelha e amor  pelo marido o tenta compreender, chegando a explodir em sua defesa  na cena em que uma garçonete lhes vem com inconveniência a respeito da transexualidade de Laurence, ou seja, sai a Fred “jovem descolada” dando a vez para a esposa que tem seu ideal de marido caído por terra, o homem másculo ficara para trás, cabendo a ela decidir até onde seguir ao lado de Laurence. Por isso a explosão em público, o “foda-se!” Quem sabe o que a própria está sentindo senão apenas ela? Como se dão o direito de julgar o comportamento alheio?
Suzanne Clemént divando
Talvez às duas horas e meia de duração do filme canse alguns, mas é inegável a criatividade desse trabalho, a “revolução” de Laurence Alia perante uma sociedade despreparada para o diferente o “especial”, que de tão especial transforma-se num estereótipo, só pra lembrar a desculpa dada por aqueles que o demitiram, ou seja, para pessoas anti- convencionais há atividades específicas, como a dizer que os gays trabalham como maquiadores, cabelereiros, por exemplo. No caso de Laurence, sua demissão possibilitaria o tempo para desenvolver a escrita, o que aconteceu: ele se dedica a escrever seu livro e ao finalizar, envia um exemplar a Fred que ao receber nos brinda com uma arrebatadora “cascata emocional.” Certamente há várias cenas que ficarão na memória do espectador, tamanho é o afinco visual empregado por Dolan, como na festa em que Fred faz a Claudia leite e extravasa toda num decote em V, só no glamour ofuscando tudo e todos.



sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sujeito inexistente

Cada vez encontrando algo, ou alguém, para dar continuidade à sua trajetória. O perigo é que absorvendo as distrações encontradas esqueço quem sou, para onde irei. Um poço sem fundo, sempre há algo que instiga, atrai, caio no mesmo erro. Não me atenho ao essencial. Passo despercebido, o típico “café com leite” ou uma pessoa neutra, o não fede e nem cheira. Cadê o  equilíbrio que rogo em preces e mantras? Os dias voam, ficam as lembranças dos obstáculos, das dúvidas, da preguiça. Num incessante “por quê”? É menos o medo e mais o egoísmo? O inverso? Às vezes, sonho que ao acordar serei outro, um que não estranhe “o outro”, o meu semelhante. Que karma! Só maçadas em minha mente e nem o meu visual eu altero, que dirá o que é interior. E paga-se um alto preço por ser quem se é. Mentalizo o mantra e um sorriso se faz. Procuro uma estrela no céu paulistano à toa, serei minha própria estrela esperando minha hora. Quisera esquecer todas as ilusões que me perseguem; quisera me desdobrar em tantos “eus” para dar conta do que esperam de mim, aqueles que tenham alguma estima por mim, sujeito indefinido. Melhor fosse oculto, afinal “todos” vivem a ilusão de algo, dando margem para as mentes trabalharem os “disse-me-disse”. Não invejo nada, nem ninguém, mas por vezes entro num estado intolerável. Mas, como diz Clarice: “é por enquanto, enquanto se vive”. Então tá. Quer dizer, nesse momento (infinito) tá osso, o cigarro quebra um pouco o fastio sentido. A busca pelo sentido de tudo parece não ter fim... preciso ler algo machadiano, talvez teria mais razões para sentir-me assim, com essa angústia, esse asco de tudo. Eu, "o que nega as origens", o "inteligente", o "viado", o"fi de fulano" o "que não fala", o" louco", o "metido", o"???" ... não eu não sei quem sou, que porra que tou fazendo aqui. Até agora não fiz nada de que posso me sentir importante, mas seria necessário? Enquanto se vive é sempre hora de deixar sua marca em algo, na vida das pessoas. Acho que é porque tive um bad day, por vezes veio a ideia de ficar num deserto, mas nem de sertão gosto...  

domingo, 18 de outubro de 2015

O Armário - vida e pensamento do desejo proibido, algumas considerações

A obra, já em sua 4° edição
A expressão “sair do armário” é bem conhecida, sobretudo, porque o assunto a qual se refere é tão polêmico a ponto de ser banalizado. Entretanto, essa banalização não significa que a sociedade está menos preconceituosa que há décadas atrás. Hoje, o preconceito mostra-se de forma velada, ainda assim vez ou outra,  ouvimos algum discurso que incita a intolerância aos homossexuais, a nós, gays, lésbicas, transexuais e todos que não seguem a cartilha da heteronormatividade.  Basta lembrar a polêmica da última edição da parada gay de São Paulo, os ataques sofridos pela transexual que desfilou crucificada como símbolo de todo preconceito por qual passamos. E a atitude foi incompreendida, inclusive, por pessoas da própria categoria LGBTT.
Bem, o que me leva a escrever sobre isso foi minha leitura de O Armário – vida e pensamento do desejo proibido, de Fabrício Viana, escritor e militante da causa como poucos. Em O Armário, Fabrício lança mão de sua própria experiência como indivíduo que passou pela temida e árdua “saída do armário”. Como maneira assertiva, Fabrício optou por um tom informal narrando suas próprias descobertas da sexualidade, pois como a questão é delicada e quanto mais jovem for o indivíduo-leitor a precisar ter contato com essa obra, o eficiente é que a assimilação do conteúdo seja rápida. Mesmo quando o escritor aborda um vocábulo mais técnico ou rebuscado, abre-se parênteses para explicar o termo. Além de representar um marco de coragem e ousadia por discorrer de situações demasiadamente pessoais, fato assertivo tendo em vista a gravidade que o preconceito representa na vida de cada um que passe pelos mesmos percalços. Embora, seus relatos também constam de situações engraçadas até, como, ter recebido de um aspirante a namorado seu, um ursinho perfumado enviado pelo correio e também quando da vez que, tímido e só na balada resolveu “olhar para uma lata de cerveja”, o que resultou num mal estar no dia seguinte.
Já na segunda parte de O Armário, Fabrício abarca a homossexualidade sob a perspectiva de ciências, como a antropologia, a psicologia, entre outras, expondo conceitos e exemplificando como são aplicados nas atitudes de pessoas comuns, que não conhecem os processos da formação da personalidade e da própria sexualidade. Essa propensão a não questionar a sexualidade, foi e é fomentada pelo cristianismo em todas as suas vertentes, o que só intensifica o preconceito contra toda relação afetiva que fuja do convencional heteronormativo. Os exemplos mostrados, e são vários, constituem da justíssima intenção de fazer com que o indivíduo que sofre preconceito, saiba de seu valor como ser humano e lute para expressar dignamente seu “eu” desprendido das imposições da família, de uma sociedade preconceituosa.

A acuidade empregada na escrita de O Armário encontra-se, sobretudo na segunda parte, onde Fabrício traça vários perfis de como o preconceito está arraigado na sociedade, por exemplo, nos casos citados de homofobia internalizada, onde o preconceito parte daquele que não saiu, de fato, do armário (e são muitos) e carrega consigo opiniões negativas sobre a homossexualidade. A eficácia desse livro está na forma como Fabrício discorre, argumenta com embasamento teórico o quanto o indivíduo precisa se libertar das imposições (desumanas) de uma sociedade que não prima pela individualidade do próximo. O Armário representa um marco de libertação. Sua leitura é imprescindível, porque são raros os veículos que prezam por mostrar a realidade de quem sofre preconceito, sem aqueles estereótipos que estamos acostumados a ver. 

P.S. O livro O Armário não se encontra em livrarias, pode ser adquirido através do site da editora Orgástica: http://editoraorgastica.com/produto/livro-o-armario-sobre-a-homossexualidade Boa leitura!

sábado, 17 de outubro de 2015

Ânsia

      Joguei fora o cigarro, ainda pela metade, o amargor intensificou o momento de tal forma que implorei que a lágrima rolasse. Os segundos tornam-se infinitos nessas ocasiões, mas a vida é infinita diz à crença que abraço. Tento ao menos, envolto em mantras e constantes reflexões.  Logo acendi outro cigarro, lembrando que outrora xingava em pensamento quem emporcalhava as calçadas com as bitucas. E aqui estou, na sacada me sentindo a G. H. sem valise, sem nada em que pensar, sentindo - me à margem de tudo, sem nenhuma identificação com nada, nem ninguém. Não, não a vida não é só isso, tudo tão previsível e a minha eterna culpa em não se permitir juntar-se a todos, a me despersonalizar. Mas, quem sou? Que raio de personalidade, quando o que importa, ao que parece é sobreviver perante uma cruel incerteza?

       O fardo da sensação de coisas pendentes, o silêncio que consente, mas não apaga a decepção.  Acentua, prolonga a mágoa, a desilusão. E o que conforta é a contenção, não tumultuar o que quer que seja. Parece-me, que muita ignorância paira sobre mim, meu maior mal, a inflexibilidade. Sabendo-se do infinito, deixo fluir sem pensar a longo prazo. Mas a sensação de tempo perdido me aniquila, seja na chance perdida, a promoção que não peguei, o olhar que não correspondi... tudo me é sufocante. Ninguém merece esses instantes intoleráveis. Tudo incomoda, a conversa dos outros, o barulho dos carros, o vento... , e anseio pelo estalo em que passa o tormento, um bom livro pra reler, ou um não lido, tantas coisas pra se descobrir... o  dócil bichinho de estimação, uma música de Florence and The Machine e mais uma da dezenas coisas que complementam o nosso vazio. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Um buquê improvisado: os inevitáveis espinhos

Um buquê improvisado compõe a trilogia acima.
O romance Um buquê improvisado é o segundo trabalho do escritor piauiense Roberto Muniz Dias. Para quem não conhece a literatura de Roberto, sugiro que comece por Um buquê improvisado, as razões são várias, destaco aqui, a temática do amor, ou melhor, a busca e o desejo de encontrar a plenitude no amor, mesmo quando este é incompreendido, o que acontece geralmente por questões familiares, culturais, religiosas, etc e também, a contemporaneidade da ainda polêmica questão do casamento homoafetivo.
Em Um buquê improvisado entramos na vivência de J. , personagem que após diversas tentativas de libertar-se das convenções e ditames do cristianismo, finalmente retoma as rédeas de sua vida e assume, contraindo um matrimônio com o amor que outrora sucumbia às pressões da moral religiosa. O próprio J. crescera em ambiente caracterizado pelo autoritarismo paterno e pelo singelo carinho e submissão de sua mãe.
Podemos dividir Um buquê improvisado em dois aspectos, primeiramente temos uma narrativa de prazer e posteriormente, uma narrativa de fruição. Constando de vinte capítulos, na primeira metade,  prevalece o cunho da ação das personagens, entrecortadas no entanto, por curtos flashs de memórias de J. que recobra as várias e longínquas tensões por quais passou. Dai, surgem elementos dignos de uma telenovela: paixões, intrigas, ingenuidade, etc. Claro que os diálogos jamais caem na banalização, revelam todo um cuidado com a linguagem, denotando uma prosa poética e sofisticada. Cuja poesia, está inserida, por exemplo, na descrição dos momentos em que J.  masturba-se no banho sob o olhar inquisidor da “esposa de fachada”, que engravidara de J. ,razão maior desse matrimônio, cujo início desse enlace exemplifica a epígrafe desse livro: “ Todas as grandes ações e todos os grandes pensamentos têm um começo ridículo.” A frase do escritor francês Albert Camus, define a incursão de J. ao relacionamento heteronormativo, mesmo este sabendo de sua orientação sexual, de sua homossexualidade.
Após diversos acontecimentos traumáticos na vida do protagonista J. , a narrativa passa a concentrar-se, primordialmente, na busca incessante por sua identidade, uma vez que, um acidente provocara-lhe a perda da memória. Doravante, ele dispõe de várias anotações em um diário, as quais, os registros que descrevem uma vida em segredo, amores imprudentes e certos temores, dúvidas, etc, somados ao silêncio e solidão levaram-no a recobrar em pequenas parcelas o seu “eu”.  Esse doloroso percurso de J. envolto em longínquos registros, “os papéis amarelos”, correspondem à fruição da narrativa. Cabendo ao leitor mergulhar com J. no abismo de sua agora “apagada” existência. Ao passo que a personagem recobra sua identidade, a narrativa retrocede para a infância de J. , da formação de seu caráter, oriunda de sua criação: de um lado um pai severo e ausente, do outro uma mãe doce e apegada as flores e o pequeno J. entre esses dois extremos.
As flores que improvisaram o buquê de J. , constam do momento pós- desilusões e traumas, atestam a superação e a reconquista do verdadeiro amor, que tudo suportou para ocasionar no presente enlace matrimonial. Este, livre de chantagens, angariando apenas o necessário à realização afetiva: a vontade mútua de ambos, que sequer lembraram do elemento de praxe, um simples buquê. Afinal, do quê importaria um buquê, diante das provações que tiveram que passar? Coube aos convidados improvisarem um. Além do mais, as flores que carregam maiores significados nessa obra, são as flores cultivadas pela mãe de J. estas, simbolizam uma vida, embora não durem muito, vivem o bastante pra irradiar frescor e beleza.