domingo, 28 de setembro de 2014

Inconstância do começo ao fim



Ai, palavras, ai palavras,
Que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
Sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!

     Cecília Meireles

       Falamos, falais. Falamos mais que tudo. Somos linguagem. Linguagem verbal e não verbal. Se expresse! Seja você mesmo! Já ordenava Madonna em sua fase mais dominadora. De tanta se expressar de todas as maneiras hoje tá bilionária. Esta soube e sabe muito bem usar as palavras. Os vocábulos medo e limite,  creio que ela não conhece. Eis  ai uma pessoa admirável! Ativíssima. E ainda profere uma religiosidade e faz orações a God antes de entrar no palco e mandar todo mundo se foder. Fico me perguntando como alguém tão destemida  diz-se adepta de uma fé cristã. Na minha ignorância fé é pra quem não tem em que se agarrar. É para os desfavorecidos , reféns do capitalismo e suas disparidades. Quem ocupa o topo da pirâmide e só pelo conjunto de sua obra tem a vida ganha até a quarta reencarnação, tem mais é que ser prático. Poder é concreto. O sobrenatural é abstrato, é fruto da imaginação, ou melhor, da falta dela. Só se atribui ao sobrenatural ou ao divino aquilo que não se pode explicar. Mas aí existem as palavras, carregadas de significação... 
        Afirmações, negativas, suposições, ironias enfim tantas mais tantas maneiras de utilizar as palavras... e,  há canções de amor e de escárnio. As de escárnio nos últimos anos viraram o funk. Trash trash trash. Na verdade nem chega a ser escárnio porque as do funk são vazias de sentido e são de um minimalismo bestial. Foi até ofensivo essa comparação. E onde quero chegar com tanta falação? Nem sou de falar muito. Minha chefe dissera-me: você tem que falar mais. Você já foi ao fono?  Você trabalha muito na sua. Não é bom viu? E também não é bom no âmbito sentimental.  Mal sabe ela que às vezes não sei usar as palavras certas quando devo. Ou melhor, acho que sei. Já que seleciono tanta coisa, ao passo que todo mundo familiariza-se rapidamente com o mundo e consequentemente com as palavras. Quantas vezes já falei o que não devia. Magoei pessoas: as palavras saíram tão bruscas que valeram por uma bofetada. Não tenho culpa se minha maldade latente excedeu nas palavras. E quando minha estupidez se manifesta as lágrimas descem, ou seja, só quando for comigo, eu que não tenho orgulho nenhum de ser imperfeito. Tudo ao redor é imperfeito e há muita cultura inútil, como esse texto.
        Bem, mas como eu ia dizendo, usamos tantas palavras. Palavras é o que existe de mais concreto na terra. E o que não existe passa a existir porque tem a palavra designadora. Teriam as palavras mais poder do que quem as profere? Palavras são inerentes aos falantes (daaaaã) Digo, daqueles que vivem de usar as palavras com intenções de domínios opressores, depreciativos, que reduzem os receptores a rélis necessitados  de um lugar no mundo, mesmo que seja na condição  de dominado. Os charlatães sabem usar as palavras, os ingênuos só sabem ouvir e viram objetos das palavras que ouviram.  Que o diga a Macabéa  de A Hora da Estrela. Esta, apaixonou-se pela palavra efeméride. E quando foi à cartomante ouviu previsões de um futuro promissor e acabou atropelada, com toda a glória que é o “privilégio”de ser atropelada por um Mercedez.  E por que falei no começo em fé? Ah lembrei, é que isso  também é uma questão de palavra. A fé é uma palavra, assim como qualquer objeto de fé também é só palavra. Quantos dizem: a palavra de Deus. Aliás, Deus é só uma força de expressão, qualquer pessoa profere: “Deus lhe pague”. “Vá com Deus”. “Graças a Deus”.    As palavras sagradas. E o que são os mantras? São palavras com significados promissores e libertadores.  Eu também creio em palavras. E amo as palavras, mesmo concordando com a doce Bess do filme Ondas do destino que num desespero arrepiante, irrompe um sermão religioso e desabafa para o clérigo hipócrita, machista e opressor algo mais ou menos como: - “ eu não entendo, como pode-se amar uma palavra? Uma pessoa pode amar outra pessoa, não uma palavra.” Pois é, as palavras tem um grande poder nas mãos de quem sabe usar. Seja lá pra qual fim. O fim.
    

    




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