domingo, 27 de setembro de 2015

Amor + cinema = Almodóvar

Filme espanhol de Pedro Almodóvar
De Salto Alto (Tacones Lejanos) é um filme de 1991, época em que Victoria April era a queridinha da vez de Pedro Almodóvar. Pouco se comenta sobre essa película, entretanto considero um dos grandes destaques de sua filmografia. De Salto Alto traz à tela o conceito de Kitsch, muito utilizado por Almodóvar. O sentimentalismo exagerado, a representação inautêntica, beirando a caricatura, mas que culmina na exacerbação das emoções demasiadamente humanas.
Vemos uma elegante Victória April num aeroporto à espera da mãe que não vê há quinze anos. O semblante aflito irrompe num flashback, a infância difícil de Rebeca, em que sempre fora preterida pela mãe (Marisa Paredes) devido à carreira artística desta; as inúmeras viagens que tinha de fazer, além da hostilidade do padrasto, o qual a própria Rebeca criança encontrara a solução pra livrar-se do mesmo sem deixar pistas. As escutas atrás da porta, a carência do afeto materno transformaram-na num ser apreensivo, difícil de confiar nas pessoas a seu redor.  O reencontro das duas, após tanto tempo, dará início a uma série de surpresas e acerto de contas com as várias cirandas mirabolantes, que em Almodóvar sempre dão o tom de seus enredos e funcionam.
O melodrama envolve além de mãe e filha, outras personagens como a travesti Letal, melhor amigo de Rebeca, que faz performances imitando a cantora Becky del Páramo, nada menos que sua mãe,  e o encontro dos três, além de seu marido, acarreta em tiradas cômicas e também hostis, da parte deste, explicitamente desconfortável na presença de uma travesti, além de ter tido um affair com Becky no passado , ou seja, Almodóvar explora, principalmente, em De Salto Alto o conflito entre mãe e filha. Entretanto, outros elementos constituem o roteiro, como o mencionado no início, Kitsch representado pelas performances de Letal e lá pela segunda metade do filme por uma dramática Becky Del Páramo envolta em lágrimas e glamour. E claro, o cômico dá as caras quando Rebeca irrompe em risadas ao apresentar em seu telejornal a notícia de um desastre. Além das notícias serem transmitidas em libras por uma moça que é a personificação do cômico.

Para tornar mais densa a narrativa, o marido de Rebeca, Manuel, é assassinado e as suspeitas recaem nas três últimas visitas que este recebeu: Rebeca, Becky e a moça que traduzia as notícias para a linguagem dos surdos, as quais são investigadas por um obstinado (apaixonado por Rebeca) juiz. Este, também com segredos e disfarces próprios que posteriormente virão à tona. Ressalto que, apesar da inserção de personagens secundários, devidamente costuradas para a resolução da trama, prevalece aqui, os conflitos internos das personagens principais que tiveram que lidar com as paixões avassaladoras e as difíceis escolhas do destino. Este, ao final, reservou a oportunidade do perdão e abriu espaço para o verdadeiro amor.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Devaneios e paetês

Ele tinha um amigo que era tudo, ou melhor, queria ser tudo num tempo onde mal levantamos e logo vamos dormir com a sensação de que não cumprimos todas as obrigações.Seria carência? não,ele era um sonhador, mas com os olhos para a realidade mesmo. Então Luc era cabelereiro, maquiador,Dj de funk, diarista, designer gráfico e, sua face mais real,  seu verdadeiro talento: drag queen, atuando sob o alter ego: Luc Divine.
Caprichoso e cheio de manias (frescuras mesmo) Luc Divine ficava irreconhecível caracterizado. Em nada lembrava o mocinho de jeans e tênis que fazia as sobrancelhas das tiazinhas no salão Deusa da Penha. Casa de ferreiro, espeto de... kit de maquiagens, perucas da Vinte cinco de março, cosméticos da Mary key, fragrâncias da Victoria secrets... tá meu bem? a gente é pobre, da periferia ,mas nóis pode parcelar pra ter esses luxo. A casa de Luc mal cabia seu arsenal de montaria, digo os assessórios de beleza, em sua maioria, para o uso dele mesmo, ou dela, uma vez que o maior sonho de Luc era ser ninguém menos que a Madonna. Ele sequer pensara que uma Madonna só vem ao mundo a cada dois milênios, de acordo com o empirismo nosso de cada dia. Bem, ele (a) tinha esses devaneios vez em quando, o que não o impedia de ar-ra-sar quando se montava para performar diviníssima, como naquela festa baphonica em que ela ofuscara todos que lá estavam . As outras drags não sabiam se elogiavam ou atiravam-lhe o salto na cara de Luc, tamanho era o brilho e carão que ostentou na festa pós Gay Parade Piracuruca. Isso mesmo, além do mais ela se montou na terrinha, pois há tempos a cultura gay extrapolou o circuito Rio - São Paulo e como disse aquela gay da internet: Bicha bunita não se esconde.
Apesar do talento, a carreira de drag ainda não mostrou progressos para Luc, numa certa performance, para a qual ela ensaiara exaustivamente, um amigo seu ficara encarregado de filmar seu show. "Vai ser um arraso a filmagem" ela dizia. "Duda é inteligente." Uma pena Duda e as coisas práticas da vida não se darem bem. Preguiça pura, ele é uma pessoa totalmente contemplativa, absolutamente avessa à tecnologia, enfim, lunática só pode. Duda mal sabia segurar a câmera e só filmou os paises baixos de Luc. Por pouco Luc não desceu-lhe a mão na cara pálida de Duda que não era a Macabéa, mas seu rosto pedia tapa. Clarice deve está revirando-se do túmulo, ah loka. Para piorar de vez, Luc não fazia linha popular, logo perdia espaço para as drags bagaceiras que atraiam o aplauso dazamiga também da bagunça. Ainda bem que Luc não fora gongada nessa performance, bateu cabelo, fez espacate, carão, tudo ostentando mais purpurina que os enfeites da Avenida Paulista em fim de ano. Toda semana, pelo uma vez ela vai à Vinte cinco e não volta com menos de sete sacolas de ítens draguísticos, crendo que um dia, uma noite, o sucesso baterá na sua porta e ela será tão requisitada quanto a própria, presidenta? da nação. Sim, pois ele (a) leva muito a fundo os elementos e ideais do universo drag, tanto que seu sonho mais recente mesmo, é participar de um programa tipo o Ru Paul's Drag Race. Na versão tupiniquim. Óbvio.




domingo, 6 de setembro de 2015

Impressões sobre "Que horas ela volta?"

Nesse feriado, aproveitei para conferir o premiado filme “Que horas ela volta?”, estrelado por Regina Casé (ixxxxqueaanta) e dirigido e roteirizado por Ana Muylaert, que ao que parece, será um sucesso de bilheteria por aqui devido ao roteiro que aborda importantes questões sociais, tão em voga ultimamente, e às interpretações de Regina Casé e Camila Márdila, que foram agraciadas no festival de Sundance dividindo o prêmio de melhor atriz.
“Que horas ela volta?” aborda, entre outros temas, a relação patrão e empregado, os limites estabelecidos há décadas que acarretaram nas desigualdades sociais como bem conhecemos. Val (Regina Casé) deixou Pernambuco para viver em São Paulo onde conseguiu um trabalho de babá e doméstica num bairro nobre. Lá, ela desempenha sua função com uma submissão de tal modo que acaba supostamente inserida como parte da família, inclusive por ter desenvolvido uma grande afeição por Fabinho, de quem foi babá. No entanto, Val representa o ideal antigo de servidão, de segregação social, o que é abalado quando sua filha que ela não via há dez anos vem a São Paulo prestar vestibular. Os espaços começam a ser questionados por Jéssica (a filha), uma vez que a mesma pretende cursar arquitetura, e não esconde o incômodo pelo fato da mãe se contentar com um minúsculo quarto de empregada e receber ordens a todo instante.
A interpretação de Regina é um misto de drama e comédia, esse último é oriundo tanto da incorporação dos traços nordestinos as expressões, sotaque, gesticulações, como também pelo próprio ethos da personagem que caracteriza objetivamente o ideal daqueles que seguem fieis aos seus princípios, suas origens, que não questionam valores sociais, apenas se inserem numa categoria estabelecida que veladamente, acaba por ser excludente e acentua os preconceitos e desigualdades. Tal qual a reação de sua patroa , quando sua filha se mostra confiante para prestar uma prova, onde as chances de um pobre ser aprovado são mínimas. A Madame,  exprime um desdenhoso: “ é, o país tá mudando” ao passo que a autonomia de Jéssica atrai a atenção de seu esposo e do filho, de quem Val fez o papel de mãe.
O título “Que horas ela volta?” corresponde à ausência das mães biológicas, Jéssica foi criada longe de Val, que por sua vez criou Fabinho e teve que responder diversas vezes quando a criança indagava pela mãe, que assim como Val, o trabalho não possibilitaria a proximidade com seu rebento, embora com as imensas diferenças designadas pelo nível social de ambas. “Que horas ela volta?” é o tipo de filme que, certamente agrada e também provoca afrontas, pois cutuca aqueles que são contrários a quebra de antigos paradigmas, principalmente no quesito “nova classe social” ou classe emergente, representada na fita por Jéssica que acredita na mudança e que o proletariado pode e deve conquistar um espaço maior.