segunda-feira, 23 de junho de 2014

William Wilson: O Jogo Duplo de Poe

Poe: um conto desafiador 
         Em mais um conto de mistério, Edgar Allan Poe apresenta uma narrativa instigante, onde o leitor acompanha de modo linear, uma série de situações rememoradas pelo narrador-personagem, com o propósito de explicar as várias atitudes errantes que este cometera ao longo de sua vida. Cada fato narrado, cada indagação e também a epígrafe que antecede o conto são imprescindíveis para a dissolução desse suspense que Poe, com a maestria que lhe é peculiar, nos instiga.
        Logo no início, o narrador-personagem põe em questão o seu nome, para ele é uma vergonha o que seu nome se tornou, em decorrência de suas atitudes imprudentes para com os outros. Apresenta-se como William Wilson, dando início a uma duplicidade no nome e que posteriormente, resvala como uma suposta duplicidade do seu ser. Willian Wilson se autodefine sensível e facilmente excitável porque é “filho de uma raça de temperamento imaginativo”. Desde criança ele percebe sua tendência para o mal, começando a exercer seu gênio difícil e que nem mesmo seus pais, fazem-lhe oposição. Descrevendo detalhadamente o ambiente escolar de sua infância, onde  já exercia uma certa liderança entre os colegas. Wilson indaga-se, pelo fato de que o mesmo rígido diretor Dr. Bransby, era o mesmo ameno pastor da igreja. Temos aí uma pista, pois o mistério que Poe criou tematiza, principalmente, as dualidades do ser humano. O eterno combate da natureza do indivíduo. As dicotomias sensatez versus insensatez. Poderia uma pessoa cometer as piores injustiças e sua consciência continuar tranquila? Quem é nosso principal inimigo?
        O narrador-personagem relembra a vida escolar, em que tudo vai bem, o convívio com os colegas até a chegada de um indivíduo de estatura, trajes e trejeitos semelhantes aos seus. Este indivíduo opõe-se as suas atitudes dominadoras, dando-lhe conselhos e competindo em tudo com Wilson. Posteriormente, Wilson descobre que seu rival possui o mesmo nome que ele, além de ter nascido no mesmo dia. A frequente interferência do seu xará em tudo provoca-lhe uma série de sentimentos contraditórios, uma vez que ambos conhecem tudo um do outro, os pontos altos e baixos. Wilson ainda relata seu espanto com tamanha similaridade sem haver o menor grau de parentesco nas suas famílias. Também menciona em tom assombroso, que seu xará possui como único diferencial, uma voz baixa que sussurra-lhe: William Wilson. Além de que, segundo Wilson, somente ele percebia as atitudes de seu inseparável homônimo. Que ser conhece a fundo outro semelhante, a ponto de sofrer tamanha perseguição?  Numa tentativa de conhecer a verdadeira feição de seu “perseguidor”, Wilson resolve numa noite, olhar-o dormindo, mas as feições deste pareceram-lhe mais estranhas do que os supunha. Eis aí mais um ponto fantástico nessa narrativa poeana e somente o narrador-personagem, juntamente ao leitor desafiado, corroboram  na criação e dissolução deste.
        Passado algum tempo e já em outra escola, Wilson entrega-se a uma série de desregramentos, e quando pensa ter se livrado do “outro” William Wilson, eis que este aparece quando ele  está promovendo uma bebedeira com seus piores colegas, e sussurra-lhe: William Wilson, deixando-o em choque e sóbrio. Aumentam-lhe as inquietações: Quem ele é? De onde veio? Passado este acontecimento, Wilson continua a promover bebedeiras, jogatinas e imprudências. Sabendo da chegada de um jovem rico, mas de pouca inteligência, prepara-se para arrancar dinheiro no jogo de cartas. Arma então um esquema, seduz o jovem rico e começa a trapacear. Quando percebe que o jovem perdera tudo e também o olhar de reprovação dos outros colegas, começa a sentir o peso da angústia. Eis então que alguém chega ao local e relata a todos, os truques ilegais de Wilson. Esse delator, segundo Wilson, era um velho conhecido seu e  também do leitor , que lhe provoca um pavor imenso e  sempre sabe todos os seus atos. E após ser expulso desse recinto, Wilson tenta a vida em várias cidades da Europa, mas em qualquer lugar do mundo que este vá, são encontradas advertências ao nome William Wilson.

        Numa última imprudência, Wilson vai a um baile de máscaras e prepara-se pra flertar com uma formosa mulher comprometida mas, é interrompido por alguém que bate-lhe no ombro e sussurra-lhe, como outrora ao ouvido. Movido por uma imensa cólera, arrasta-o para longe da festa e trava uma luta com o “outro” William Wilson, ferindo-o com sua espada. Sentindo um horror profundo, ver surgir um espelho e a face de seu “algoz” é revelada: “ E tudo nele, da roupa até as feições do seu rosto, era eu. A mais absoluta identidade. Era o próprio eu.” A frase final, revela o engendrado mistério, que se o leitor for experiente em assuntos poeanos, certamente já sabia: nunca houve outro William Wilson, era tudo projeção da mente fantasiosa do narrador-personagem. O único responsável pelo mistério da estória que era a própria criação de um duplo que interagia somente com o próprio. Era a própria consciência de Wilson, que tentava lhe mostrar o caminho correto, toda vez que uma atitude errônea ia ser cometida. Wilson, simboliza com esse duplo, o antagonismo que todo ser humano conhece e possui em si: o bem e o mal de cada um. E não há como fugir de sí mesmo. Digo, da própria consciência. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário