O ator Jesuíta Barbosa em cena de Tatuagem |
Para
muitas pessoas, o cinema brasileiro se resume a filmes sobre o mundo cão das
favelas, comédias com atores globais, alguns até protagonizam um roteiro feito
para um personagem de telenovela que emplacou, por exemplo, o mordomo Crô, de
Fina Estampa. Sem falar que a maioria maldam os filmes tupiniquins porque “falam
muito palavrão”. Pergunto-me, qual a razão disso? Será um fato ou o público que
não procura diversificar, assistir outros que não os exibidos em grande
circuito?
Recentemente revi Tatuagem, filme de
Hilton Lacerda, de 2013 e vejo que esse cinema, que não atende aos apelos do
comercio, do mainstream sempre tão
apelativo e redundante, representa uma efetivação aliás, valorização da sétima
arte em nosso solo. Afirmo, no que tange a ousadia de realizar um projeto consistente,
com roteiro enérgico carregado de metalinguagem, onde as cenas ora flertam com
o drama (gênero do filme) ora com números teatrais carregados de erotismo, uma
transgressão onde no cinema surte a catarse tão necessária à existência.
Tatuagem remonta o período ditatorial brasileiro, onde uma trupe teatral, por
meio de espetáculos altamente provocativos, combatia esse regime, a censura e a
dita moral dos bons costumes, tão apregoada na época, esta representada no
filme pela religiosa família de Fininha (Jesuíta Barbosa). Bem, em nossos dias
essa mesma moral ainda é usada como arma contra a liberdade das minorias. Nem é
preciso recorrer às redes sociais, na TV, em nosso dia a dia os discursos
preconceituosos prevalecem sob o manto de uma moral cristã.
Em Tatuagem, as atuações do par romântico
são envolventes de forma magnífica. O conflito da trama proporciona cenas
intensas, sensuais que não nos deixa tirar o olho da tela. O romance entre o
performático Clécio (Irandhir Santos) e Fininha incendeia a imaginação: este um jovem servindo
o exército, aquele uma “ameaça” à ditadura, logo esse impasse dar a tônica do
roteiro, sem falar da inocência de Fininha, a meu ver os “olhinhos infantis”
adquire a perfeita personificação em seu personagem. Extrapolando o filme
personifica é o ator mesmo...
O que é evidenciado em Tatuagem é a luta
pela liberdade individual, seja num ambiente propício a esse exercício como nos
espetáculos da trupe Chão de estrelas, que se vale de discursos irreverentes,
poéticos e até filosóficos, mesmo lançando mão do “deboche” como arma maior e
em contrapartida, num ambiente contrário à liberdade (o quartel), que ainda assim
não consegue negar instintos e seus agentes resguardam-se na clandestinidade,
que quase sempre atiça, alimenta a efetivação, a paixão intensa de usufruir da
liberdade negada.