sábado, 28 de fevereiro de 2015

Inconstância


                                                                      My heart is enormous lake, black with potion
                                                                      I am blind, drowning in this ocean.

                                                                                                                         Bjork
     Poderia ficar sentindo a tarde cair, hora mais aconchegante do dia. As nuvens pesadas escondiam o horizonte e uma paz me soprou o espírito. Adiei as tarefas, mais uma vez, permiti-me levar por uma nostalgia. Desloquei-me daquele recinto, parando num caminho estreito passando por um riacho seco, logo avistei a casa dos avós em cima do morro de piçarra. Que tempos! Quando se é o primogênito, os cuidados de vó são imensuráveis. Mimos, afagos, guloseimas e tudo o mais que botam a pessoa a perder: eis me aqui, um poço de frescura. O pior é a saudade que ficou, do amor que foi tão verdadeiro e insubstituível. 
     Parece-me, que todo momento de encanto me leva a um de lamento, como agora. A saudade de um lugar que só existe agora no passado, posto que se voltasse lá, a sensação seria outra, não a dos tempos de vó. Tudo muda, o tempo é cruel e não sei o que fazer com as lembranças. "É tudo tão incerto" disse a escritora. Memorizei essa cena com toda a amargura expressa em seu semblante. Não tenho respeitado o tempo como deveria. Volta e meia caio em arroubos infantis e isso é o fim. Seguindo à margem de tudo, ignorando os outros a toda hora nos itinerários que sigo. É o cúmulo do egoísmo. Niilismo? Deve ser isso mesmo. Tenho me prolongado mais pensando nos outros, que em si mesmo. Permitir o sofrimento é preocupar os outros (leia-se parentes ou amigos). Sempre evitando, sempre escolhendo ou negligenciando tentativas que poderiam dar certo. Mantendo-me à margem dos acontecimentos, tudo me é repugnante, incluindo minha própria espécie. Viver consiste numa errância proposital com fins lucrativos. O erro é vital pra que aconteça uma solução. Essa dualidade me instiga, não me dá orgulho nenhum. É totalmente o oposto. 
      Sigo tateando meus anseios (poucos) numa tentativa de não apenas sobreviver. Tudo parece-me um déjà vu, perdi a capacidade de me surpreender com algo. Às vezes, me bate uma revolta pela ignorância dos outros que falam, falam e não sabem sequer o que estão falando! Aliás, muitos não falam por si, apenas reproduzem inúmeros discursos que convergem com suas vontades, ou seja, seus interesses. Tenho quase certeza que eu não sou daqui. Sim, é o verso da música, do "insuportável" (impressão minha) Renato Russo. Tenho sentido falta do céu de estrelas. Ficou tudo num passado tão distante. Agora, só me restou um céu cinza e essa página lamurienta. 

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