1° edição, Artenova,1974 |
A Via Crucis do Corpo
é um pequeno volume de contos escritos por Clarice Lispector em 1974.
Desnecessário falar que essa obra praticamente fica nas sombras dos aclamados
trabalhos da autora, como a novela A hora da estrela ou os romances A paixão
segundo G. H. e Perto do coração selvagem. Mesmo no ambiente acadêmico, onde as
pesquisas sobre a obra de Lispector são abundantes, são raros os que se detém
sobre A via crucis do corpo. Por qual motivo esse livro é considerado obra
menor? Não haveria neste o mesmo elemento criativo presente nos livros
consagrados?
O fato é que o livro
foi muito mal recebido quando da época do seu lançamento, 1974, alguns críticos
taxaram a obra de lixo e que seria melhor não ter sido lançada. A professora
Vilma Âreas, argumenta que a ousadia do livro, sobretudo por apresentar personagens pouco convencionais, como senhoras sexagenárias (octogenárias também) com
desejos sexuais, prostitutas e travestis disputando o mesmo homem, moças recatadas seduzidas por extraterrestres e até uma paródia do texto bíblico da Anunciação, entre outros,
foi um dos fatores que gerou o desprezo por essa obra. Inclusive a própria
autora, relata um desprezo no texto Explicação: “Uma pessoa leu meus contos e
disse que aquilo não era literatura, era lixo. Concordo. Mas há hora para tudo.
Há também a hora do lixo.” (P.12). Todavia, como Clarice Lispector é uma escritora
intuitiva - os romances comprovam isso - é fácil compreender que uma obra sob
encomenda como é o caso de A via crucis do corpo, acaba por tolher a sua
liberdade criativa. Na melhor das hipóteses testa os seus limites, uma vez que
a própria argumenta que “tratava-se de um desafio”.
Além dos contos
polêmicos, que são cheios de humor, essa
coletânea apresenta quatro crônicas que relatam o processo escritural dos conto
de A via crucis, ou seja, a autora permite-se a uma proximidade com o seu
leitor, até então desconhecida do público que a imaginavam uma pessoa tão
misteriosa quanto a esfinge. Essa aura de mistério em torno de Clarice é
oriunda de seus profundos textos como A paixão segundo G.H. , romance denso que
jamais se esgotaria numa só leitura. Em contrapartida, o volume A via crucis do
corpo é escrito numa linguagem simples, apesar que é uma obra repleta de
referências que vão de elementos do cinema ao texto bíblico, ou seja, o
simbolismo acompanha Clarice até mesmo em seus trabalhos menos rebuscados. Vale
ressaltar, que é necessário ler A via crucis do corpo, atendo-se que é um
trabalho meramente ficcional, onde a autora concatena suas ideias com a
finalidade de tecer uma imitação da vida. Nessa imitação da vida, há espaço pra
muita fantasia. Contrariando aquela música popular do nosso tempo, em A via
crucis do corpo há espaço para ousadia e tristeza. Mas eu dissera que há muito
humor nos textos... bem, leiam esse livro de Clarice.
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