sábado, 2 de dezembro de 2017

O filho de mil homens, Valter Hugo Mãe

2°edição, Editora Globo,2016
   



   Durante as aulas de literatura do curso de letras, a professora sempre salientava que a literatura era fundamental porque humaniza, incomoda, ou seja, nos desperta para uma verdade camuflada pelo automatismo do nosso cotidiano. Todavia, não são todos os textos literários que possuem tal capacidade de transcender nosso estado de espírito, essa é uma qualidade que só as boas obras possuem. Aquelas em que as palavras não apenas contam algo, mas nos tocam pela construção poética das frases ou períodos. Existem aquelas obras que nos acompanham por toda a vida, que volta e meia teremos a vontade de reler, não por alguma complexidade linguística, mas porque a delicadeza, o lirismo está presente em cada capítulo da narrativa.
    Uma obra que veio a se tornar um achado literário, não só para esse simplório leitor, é O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe, um romance que abarca inúmeros elementos de maneira  assertivamente construída. Valter Hugo Mãe tece com maestria seu enredo, inicialmente, devido à concisão dos capítulos, cada um apresentando um personagem central: o Crisóstomo; a anã; o Camilo, entre outros a seguir, remete-nos ao formato do conto, entretanto, trata-se da apresentação dos personagens em seus núcleos, para que no decorrer da narrativa vejamos a construção dos laços afetivos em que se atarão alguns desses personagens. Como o título da obra sugere, O filho de mil homens, ou seja, a temática do parentesco não se resume ao fator sanguíneo,mas é elevada  a um alto grau do sentimento de amor, de cuidado para com as pessoas que por alguma razão se cruzaram nessa estória. Por esse motivo, o Crisóstomo, homem de quarenta anos, sozinho no mundo que “Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos” (p. 19)sente-se enormemente realizado ao adotar o órfão Camilo. Além do fato de que as personagens desse livro habitavam um vilarejo litorâneo, ou seja, eram pessoas simples que viviam felizes com o que lhes era possível de realização.
  Conforme afirmei ser essa obra uma narrativa completa, ratifico apontando alguns elementos, pois temos a poesia, o lirismo, sobretudo personificado em Crisóstomo que adota Camilo e enamora-se pela rústica Isaura; O humor também aparece no tratamento das mulheres da vila com a personagem anã, na verdade aquele humor que esconde sentimentos nada virtuosos, há exemplo das mulheres que não aceitavam o fato de que anã era capaz de ser feliz apesar de sua diminuta condição. Consta na narrativa também, uma espécie de realismo mágico como no capítulo do velho que tinha uma galinha gigante, “uma avestruz” como deduz a criança filha de Rosinha, criada respondona, cujo velho, um dos raros personagens com posses, pretende passar com ela o resto dos seus dias. Outro aspecto importante nessa obra, é o humanismo, sobretudo na figura do personagem homossexual: o Antonino, cuja mãe vive a duelar mentalmente seus sentimentos para com o filho. O trunfo nesse núcleo é que o autor não recorre ao lugar-comum, que seria apresentar um discurso limitado, redutivo, mas assertivamente toca no cerne da questão, ou seja, apresenta um personagem vítima de inúmeras suposições sem fundamentos. Doravante os moradores da vila teciam comentários maldosos calcados em seus próprios preconceitos, sequer tinham vistos o Antonino a cometer atitudes comprometedoras. A parte em que Antonino põe uma maquiagem na sofrida e apagada Isaura, fazendo-a renascer,é quase uma epifania, apesar de que essa, a epifania aparece em inúmeras passagens do livro.
   Certamente, os personagens do Crisóstomo e do Antonino são os mais cativantes, ambos são dotados de um genuíno sentimento de amor ao próximo, cada qual ao seu modo , já que “amar uma pessoa é o destino do mundo”, conforme aparece numa passagem dessa obra belíssima que é O filho de mil homens. Nos momentos de tristeza, sobretudo do Crisóstomo, ele caia para dentro de si, caia e levava também o leitor, completamente caído de amores pela prosa poética de Valter Hugo Mãe, uma prosa que aborda o reencontro da alegria de viver em companhia daqueles que amamos. Os personagens viviam a sonhar com o amor: Crisóstomo queria um filho; Isaura um marido; Antonino a aceitação de todos, começando por sua própria mãe, ao final todos conquistaram isso e muito mais. Fica a dica de um ótimo presente de natal, O filho de mil homens é uma leitura fácil, porém cheia de encanto e criatividade, qualidades tão peculiares em Valter Hugo Mãe.



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