Edição da coleção da Folha de São Paulo |
Uma
aprendizagem ou o livro dos prazeres é o sexto romance de Clarice Lispector e
foi lançado em 1969. Essa prosa, embora não abarque a profundidade de uma G.H
ou mesmo da Joana da segunda parte de Perto do coração selvagem, é constituída sob
uma atmosfera pungente, mas poética também. Sua protagonista, Lóri, é uma
mulher solitária que sofre com a dor de existir, ou seja, como outras “mulheres
de Clarice”, Lóri, sente-se em descompasso com o mundo, com as outras pessoas,
fato que pode mudar quando ela conhece Ulisses. É o início de sua aprendizagem.
A
protagonista desse romance é uma das personagens mais fascinantes de Clarice,
Lóri, que apesar de sofrer com sua solidão, possui algo muito forte dentro de
sí que é o modo de enxergar a vida, pois é uma mulher que procura fazer parte
da “coisa” vista. Desse modo, uma noite de luar proporciona-lhe um forte
encantamento, até pelo motivo dela considerar-se uma pessoa lunar. Essa solidão
voluntária, não faz de Lóri uma pessoa egoísta, pois sendo professora primária,
ela sai um pouco da sua “dor de existir” e interage com a sociedade. A dor de Lóri só poderá ser diminuída quando
ela integrar-se à vida pelo amor de um homem: Ulisses, este, também é
professor, mas de filosofia numa universidade e apesar de gostar de Lóri,
percebe que ela ainda não está pronta para iniciarem um relacionamento. É
quando começa o processo de aprendizagem para que Lóri esteja pronta para o
amor, pois até então a própria não se considerava apta, mediante sua
inadaptação aos modos de existir banalizados. Não que seja “pessoa do outro
mundo” mas Lóri não se prende à uma vida comum, o que notamos, por exemplo,
quando ela tenta travar contato com uma mulher na rua à espera de condução, o
que faz comentando sobre a demora do ônibus e elogiando o vestido da moça, mas quando sua interlocutora permitiu-se dar-lhe
atenção, Lóri distrai-se com as explicações:
“Lóri
não ouviu mais nada: sorria beatificada: entrara em contato com uma estranha.
Interrompeu-a um pouco bruscamente mas om uma doçura de gratidão na voz:
-Adeus. Obrigada, muito obrigada.
A
moça respondeu surpreendida:
-Não
quer saber do endereço da loja onde compro?
-
Não precisa, obrigada. (p. 117)
As
“faltas”, a inadequação de Lóri ante as coisas mais triviais são reforçadas por
Ulisses, este não economiza sinceridade e aponta os defeitos da moça, embora
que não seja por arrogância ou maldade, pois Ulisses nutre um amor por Lóri e permite-se
esperar para que ela fique pronta para vivenciarem o amor mútuo que sentem.
Nesse período, da aprendizagem, Lóri arca com a difícil tarefa de enfrentar
seus temores, coisas simples, mas como trata-se de “persona” super sensível, um
mero acontecimento como ir à praia, não é somente ir até lá: Lóri vai ao mar
logo que o dia amanhece e entrega-se a ele numa intensidade de momento
epifânico, como se se fundisse àqueles elementos naturais; como um microcosmo e
o macrocosmo, expressões que também aparecem nessa narrativa tal é a imersão da
personagem nos mistérios da vida.
Cabe
lembrar aqui, que Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres é um romance constituído
pela junção de algumas crônicas da autora, como dissera o professor Joel Rosa,
especialista em Clarice, uma verdadeira colcha de retalhos. O bom é que essa
concatenação resultou num dos melhores romances da autora, ideal para quem vai
começar a ler a poderosa e influente Clarice Lispector.
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