sábado, 12 de dezembro de 2015

Da solidão do romance para os palcos

A literatura de Roberto M. Dias:
galgando a leitura compartilhada.


Uma Cama Quebrada é o texto que inaugura a incursão de Roberto Muniz Dias na dramaturgia. Baseado em seu romance Urânios, o texto propõe uma aguda reflexão acerca das tentativas de buscar o amor, desvinculando-o dos formatos que estamos acostumados. Mesmo em relações homoafetivas, preserva-se um amor ideal monogâmico “herança do patriarcado” e é justamente abordando o poliamor (relações poligâmicas) que essa obra mostra-se atual,  como também  fundamental não só atendendo ao âmbito homoafetivo, embora conste de forte representatividade para a dita literatura gay. Pois o que salta das linhas dessa obra é a tentativa de definir o amor, a felicidade e até onde vai a autenticidade de quem se julga pertencente a um modelo extra de relacionamento ou encontrado a saída para a traição. Seria o poliamor, nessa trama, a solução para a infidelidade?
Ao ler Uma Cama Quebrada, corre-se o risco de pensar que estamos diante de uma “condensação” de Urânios, entretanto, no texto teatral percebemos o quanto as personagens estão mais desenvolvidas. Mesmo o galo colorido, aviva suas cores e seus cacarejos tornam-se mais audíveis, o que corrobora para o atordoamento da personagem principal, agora designada como Pedro. Esse aperfeiçoamento das personagens, possibilita ao leitor atribuir-lhes características, a partir da fala das mesmas. Lançam-nos o ethos (imagem social) o que é gratificante para o leitor que busque uma identificação na obra lida. Por exemplo: Ênio, revela-se “um come -quieto”; Dino, com seu senso prático e um certo “distanciamento” das coisas artísticas, um inculto, o que confere ao texto um toque de humor e empatia pela personagem.
O ideal de amor é posto em cheque, amar para muitos significa partilhar das dores e alegrias do outro. Tarefa difícil, ainda mais ao se tratar de “outros”. Seriam afinal, três alianças, três xícaras, três homens, para um desejo em comum? Ao que parece em comum temos somente o desejo de sermos felizes. De termos alguém que supra as necessidades afetivas e os desejos carnais. E para que o encanto do cônjuge não desapareça, seria necessário um olhar de fora que faça aflorar o viço perdido? Que restabeleça o vínculo? Sobretudo que seja com consentimento de ambas as partes? A insana busca pela realização dos desejos esbarra na finitude dos mesmos. Há de se ter coragem de segui-los. O risco é grande e o envolvimento pode trazer à medida que se usufrui as possibilidades, o dilaceramento da alma, a dúvida quanto ao genuíno daquela situação.


Urânios, romance que originou o texto teatral
compõe a Trilogia do Desejo.
Uma Cama Quebrada intercala, em três tempos, elementos vários: a leveza de uma relação amorosa em sua rotina, comum a tantas; a tensão oriunda da descoberta de que os reais desejos nem sempre correspondem às mesmas expectativas dos envolvidos, ou seja, de certo modo estamos presos ao nosso egoísmo, embora que ancorados nas convenções herdadas ao longo dos tempos, reproduzindo modelos de um jeito ou de outro. Essa tensão, “o luto” por qual passa Pedro ao enxergar o significado de seu papel naquela união poligâmica, abarca toda a poesia do texto original (Urânios), aliás, aflora ainda mais, embora o texto teatral tenha que ir direto ao ponto, a poesia se mantém quando a personagem principal é trabalhada de maneira ímpar, com uma riqueza de adjetivos: cativante e ingênua; misteriosa e culta. Ingredientes para uma boa leitura é o que não falta em Uma Cama Quebrada. A literatura Brasileira agradece.

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