quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Desejos inerentes e nossas inseguranças


Errorragia: o que somos?


        Soaria um erro qualquer vã tentativa minha de categorizar os textos de Errorragia. O fato é que é impossível permanecer inerte ante a leitura de tão plurais escritos. Plurais sim, além do volume ser composto por contos e crônicas e as "inseguranças" permearem boa parte deles, o que salta à nossa mente são uma multiplicidade de sensações, reminiscências, incertezas perante o próprio presente e claro, uma sensibilidade inerente a quem produz uma (s) arte e altruisticamente preocupa-se em compartilhar com o mundo. 
       Cada texto de Errorragia é dedicado à alguém designado pelo autor, o que não impede, óbvio, o leitor de se ver retratado num ou em vários deles, uma vez que, o diálogo entre narrador e leitor já aparece em vários títulos: Como pode ser a saudade? Qual seu pecado? Quem tem medo de ficar sozinho? Nesse último, o narrador-personagem encontra-se debilitado por uma forte dor física e...sozinho. Questiona então: - mas o que é está sozinho? Põe -se a recordar dos diversos casais (convencionais) que compartilhavam uma rotina pré-estabelecida: filhos, trabalho, sexo... mas esses itens por si só não eram garantia para a harmonia de um casal. Ao contrário, se ambas as partes não prescindirem do fato de não-estarem- sozinhos só virão cobranças e mais cobranças. Isso, devido o ingrediente principal que sustenta uma relação (afeto) simplesmente ter-se extinguido na vida de muitos homens e mulheres que só "posam" de casal. Além do fato de que muitas pessoas "se escoram" em seu par. Esquecendo de extrair sua fortaleza pra driblar qualquer dor, física ou emocional. Pessimismos à parte e em meio a várias incertezas, o narrador-personagem conclui que: " pior seria ter que administrar uma dor no pé da barriga e outra na boca do coração". 
       
     Além do enveredamento por temas complexos, como relacionamentos, lançando mão de forte afinco em entender nossos desejos mais recônditos, Roberto Muniz Dias também expõe em seus textos, um sutil toque de sensualidade, o que aparece de modo "meio pueril" em Qual seu pecado? e também flertando com o humor, em Entrega para Jesebel, esta, uma performática  personagem em busca do prazer e algo mais, ou seria o inverso? O fato é que em meio às insastifações de Jesebel/ Henrique, há espaço para um sutil humor, seja quando jezebel recebe uma advertência virtual, aliás a própria caracterização dela, atribuida pelo narrador, já provoca risos: bonequinha de porcelana, boquinha de princesa, e por ai vai. Ou também, quando a "performer" adentra com " a calcinha toda enfiada na bunda e os trejeitos femininos" (p. 145) Nada que extrapole o erotismo e descambe para a pornografia. O que é meritório de uma escrita voltada à beleza das sensações, mesmo diante de ferozes impulsos que tendem a banalizar atitudes, como as sexuais, por exemplo. O autor consegue sublimar tudo que tende a ser errático ou fugaz, mesmo que o desfecho seja uma implacável solidão.
         Errorragia é leitura imprescindível a qualquer um que esteja em busca de entender-se; que esteja em busca da poesia perdida de nossos dias corridos. Ou mesmo aquela poesia que ficou lá atrás, nas primeiras descobertas; A saudade pode ser boa se nos permitirmos senti-la docemente. Sem falar naquele clichêzão básico: quem lê viaja. Viajei, literalmente. Refleti-me com algumas "errancias" dos vários "eus" que falam nessa obra. Só discordei de uma personagem que disse que Clarice era louca. Que absurdo! Clarice, uma verdadeira filósofa. Única, linda.

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