quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A fruição demasiada de A maçã no escuro

      Muitos críticos literários discorreram sobre a dificuldade de compreensão do romance A maçã no escuro, de Clarice Lispector. Reli-o, e mesmo assim, não consegui extrair o essencial do que a autora quis “desabrochar” com tão densa obra. O que não significa que não tenha gostado do romance. É excelente. Por isso me encarrego de anotar alguns aspectos desse livro, este que segundo a autora, é seu trabalho mais bem estruturado. O que Clarice quis dizer com isso? Bem, esta obra abrange tanto da humanidade em seus desejos, sua linguagem, suas normas... que fica difícil captar o que realmente norteia essa obra. Como pegar uma maçã no escuro?
Edição de 1999 da editora Rocco
       Pois bem. A maçã no escuro foi escrito em 1956 e publicado somente em 1961. O personagem principal desse romance é Martim, um homem que julgando ter assassinado sua esposa, perplexo pela fatalidade desse ato, acaba se refugiando “no coração do Brasil”. Como se todo seu passado tivesse acabado, após o suposto assassinato, Martim renuncia a todas suas habilidades, sua formação, e se submete a trabalhar no sítio de Vitória. Ao chegar no sítio e pedir água, Martim deixa um trabalhador  e a proprietária desconfiados. Fato que se agrava quando ele diz está ali à procura de emprego. Vitória reluta ao dar-lhe emprego, uma vez que Martim se apresenta como engenheiro. E os serviços disponíveis no sítio, eram trabalho para lavradores. Outra desconfiança que perturbou Vitória, era quanto a origem de Martim, que dissera ser do Rio de Janeiro, mas seu sotaque não era carioca. Ela o acolhe no sítio, dando-lhe o emprego. Movida pela desconfiança, empenha-se, em dar severas ordens a Martim. Vitória, administrava o sítio com mão de ferro e tinha como companhia, uma prima sua: Ermelinda. Esta, não nutria o menor interesse pelas coisas do sítio. Era muito sensível e voltada as preocupações do espírito. Fato que Vitória atribuía a uma “infância presa ao leito”. Tal sensibilidade, não a impede de utilizar truques para chamar a atenção de Martim. Truques que dão um tom de comicidade a narrativa, ao lançar mão das frases feitas ditas por mocinhas apaixonadas.
        Pouco a pouco, Martim vai se familiarizando com a rotina do sítio. Uma das passagens mais instigantes, é quando Martim, se vê obrigado a metamorfosear-se numa vaca, para assim conseguir entrar no curral e limpá-lo. Toda a narrativa é tecida de modo a não deixar dúvidas no leitor. O que constatamos a partir das várias comparações (com o uso da conjunção como mesmo) dos pensamentos e atos dos personagens. O que por sua vez, nos leva a crer que é sobre o poder da linguagem que Clarice Lispector quer discorrer. E o assassinato e a fuga, são um mero instrumento para trabalhar a inerente linguagem humana que move o mundo. Outro aspecto que comprova isso, são as frases aspeadas  em várias passagens da narrativa. Essas, retomam a experiência humana em sua missão de existir e ser linguagem. Além disso, a personagem Vitória, confessa a Martim seu desejo de ser poetisa. Mostrando-o, o começo de uma poesia e seu suposto significado. O que contrapõe sua imagem de mulher forte e rude que se apresentara a Martim inicialmente.
        Qualquer que fosse o crime (na verdade não houve) de Martim, haveria a punição. Se seu ato fora em nome de uma libertação, para com os códigos que regem a sociedade, ele haveria de responder por isso. Do contrário, do que adiantaria tanto trabalho que a humanidade teve desde os tempos primórdios? Tantas análises do comportamento humano e do que é melhor pra manter a ordem comum? Estas e outras explanações dão a tônica desse livro clariceano. Este é um exemplar obrigatório em qualquer estante. Especialmente para quem já está familiarizado em assuntos clariceanos.

         

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