Muitos críticos literários discorreram sobre
a dificuldade de compreensão do romance A maçã no escuro, de Clarice Lispector.
Reli-o, e mesmo assim, não consegui extrair o essencial do que a autora quis “desabrochar”
com tão densa obra. O que não significa que não tenha gostado do romance. É
excelente. Por isso me encarrego de anotar alguns aspectos desse livro, este que
segundo a autora, é seu trabalho mais bem estruturado. O que Clarice quis dizer
com isso? Bem, esta obra abrange tanto da humanidade em seus desejos, sua
linguagem, suas normas... que fica difícil captar o que realmente norteia essa
obra. Como pegar uma maçã no escuro?
Edição de 1999 da editora Rocco |
Pois bem. A maçã no escuro foi escrito
em 1956 e publicado somente em 1961. O personagem principal desse romance é
Martim, um homem que julgando ter assassinado sua esposa, perplexo pela
fatalidade desse ato, acaba se refugiando “no coração do Brasil”. Como se todo
seu passado tivesse acabado, após o suposto assassinato, Martim renuncia a
todas suas habilidades, sua formação, e se submete a trabalhar no sítio de
Vitória. Ao chegar no sítio e pedir água, Martim deixa um trabalhador e a proprietária desconfiados. Fato que se
agrava quando ele diz está ali à procura de emprego. Vitória reluta ao dar-lhe
emprego, uma vez que Martim se apresenta como engenheiro. E os serviços disponíveis
no sítio, eram trabalho para lavradores. Outra desconfiança que perturbou
Vitória, era quanto a origem de Martim, que dissera ser do Rio de Janeiro, mas
seu sotaque não era carioca. Ela o acolhe no sítio, dando-lhe o emprego. Movida
pela desconfiança, empenha-se, em dar severas ordens a Martim. Vitória,
administrava o sítio com mão de ferro e tinha como companhia, uma prima sua:
Ermelinda. Esta, não nutria o menor interesse pelas coisas do sítio. Era muito
sensível e voltada as preocupações do espírito. Fato que Vitória atribuía a uma
“infância presa ao leito”. Tal sensibilidade, não a impede de utilizar truques
para chamar a atenção de Martim. Truques que dão um tom de comicidade a
narrativa, ao lançar mão das frases feitas ditas por mocinhas apaixonadas.
Pouco a pouco, Martim vai se
familiarizando com a rotina do sítio. Uma das passagens mais instigantes, é
quando Martim, se vê obrigado a metamorfosear-se numa vaca, para assim
conseguir entrar no curral e limpá-lo. Toda a narrativa é tecida de modo a não
deixar dúvidas no leitor. O que constatamos a partir das várias comparações (com
o uso da conjunção como mesmo) dos pensamentos e atos dos personagens. O que
por sua vez, nos leva a crer que é sobre o poder da linguagem que Clarice
Lispector quer discorrer. E o assassinato e a fuga, são um mero instrumento
para trabalhar a inerente linguagem humana que move o mundo. Outro aspecto que
comprova isso, são as frases aspeadas em
várias passagens da narrativa. Essas, retomam a experiência humana em sua
missão de existir e ser linguagem. Além disso, a personagem Vitória, confessa a
Martim seu desejo de ser poetisa. Mostrando-o, o começo de uma poesia e seu
suposto significado. O que contrapõe sua imagem de mulher forte e rude que se
apresentara a Martim inicialmente.
Qualquer que fosse o crime (na verdade
não houve) de Martim, haveria a punição. Se seu ato fora em nome de uma
libertação, para com os códigos que regem a sociedade, ele haveria de responder
por isso. Do contrário, do que adiantaria tanto trabalho que a humanidade teve
desde os tempos primórdios? Tantas análises do comportamento humano e do que é
melhor pra manter a ordem comum? Estas e outras explanações dão a tônica desse
livro clariceano. Este é um exemplar obrigatório em qualquer estante.
Especialmente para quem já está familiarizado em assuntos clariceanos.
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