O passado, o presente
e o futuro em Bisa Bia, Bisa Bel
O
passado é representado na narrativa, logo no início, através de objetos antigos
como a caixinha de madeira, os retratos antigos em envelopes de papel pardo e
também pelas lembranças da mãe de Isabel ao discorrer sobre um meio de
transporte comum da sua época:
_ A gente ia de
bonde, era ótimo, fresquinho, todo aberto. Às vezes tinha um reboque. Quando a
gente pagava... (pag. 8) E algumas palavras ditas pela mãe, como motorneiro,
intrigavam Isabel. Mas o passado vem à tona mesmo quando Bel encontra um
retrato em formato de ovo, de cores marrom e bege, cores que eram denominadas
sépias. Na foto via-se uma menininha linda, de cabelo todo cacheado, vestido
claro cheio de fitas e rendas. Era a bisavó de Isabel. A Bisa Bia. Que na foto
segurava uma boneca de chapéu e algo parecido com um bambolê, um arco,
brinquedo da época de Bisa Bia.
Isabel fica
tão encantada com a foto de Bisa Bia, que passa a ouvir sua voz. E o que Bisa
Bia fala, na maioria das vezes, são repreensões por Bel, ter modos que na sua
época eram inapropriados para uma menina: Usar short, assoviar, subir na
goiabeira etc. Por exemplo:
_ Ah, menina,
não gosto... (pag. 18)
Desde então as
duas começam a conversar sobre as coisas de seu tempo: Bisa Bia, do passado e
Bel, do presente. Bisa Bia cita coisas como: móveis antigos (bufê ou
etagér),penteadeiras enfeitadas com bibelôs, mosquiteiros, toucador, penico...
coisa extintas no tempo de Bel. O que a deixa surpresa com tanta coisa que ela
desconhecia. Entretanto, Bisa Bia fica tão chocada quando esta lhe conta das
coisas de seu tempo presente. Observa-se um choque entre as coisas, hábitos do
tempo de Bisa Bia (século XIX) e do tempo de Bel (século XX). Ao ouvir Bel
avisar que vai comer cachorro quente Bisa Bia exclama:
Deus nos acuda, minha filha! Isso lá é coisa
que se coma? Coitadinho do cachorro... Situação semelhante Bel demonstra quando
Bisa Bia fala de uma merenda de seu tempo: baba de moça:
_ Baba de moça ,
Isabel, uma delícia!
_ Ai, que nojo,
Bisa, como é que você tinha coragem?
E o papo
explicativo entre as duas continuava. Bisa Bia contando como eram as coisas de
seu tempo e repreendendo Bel por seu jeito espontâneo de ser. Ao contrário de
outrora, onde as meninas tinham de ser comportadas, quietinhas. O que reflete o
modelo de mulher submissa do século XIX e começo do século XX. Logo isso acaba
perturbando Bel: a mania de Bisa Bia viver lhe dando conselhos que não
funcionam mais. Mudaram-se as maneiras, regras de comportamento no tempo presente
que vive Bel.
Eis que para
confundir ainda mais a cabeça de Bel, ela começa a ouvir uma nova voz: a voz de
Beta, sua bisneta, que assim como ela, encontrara a foto de sua Bisa: Bel (de
short e trancinhas), nas coisas de sua mãe. A voz de Neta Beta contrapõe-se a
de Bisa Bia. Ela fala exatamente o que Bisa bel quer ouvir:
_ faça o que você bem entender... (pag. 30) Ou
seja, uma voz do futuro, onde a mulher já tem plena liberdade de agir conforme
seus anseios. Vale lembrar, que Neta Beta, que está décadas e décadas à frente
de Bisa Bel encontrou sua foto e fez uma holografia delta. E as vozes começam a
disputar na cabeça de Bel. Qual voz seguir? A do passado ou a do futuro?
Sendo que Bel, só quer conquistar sua autonomia. E para isso
é bom ter a tranquilidade de Bisa Bia, mas também a coragem de Neta Beta.
Mais que uma simples estória sobre as
lembranças de uma menina, através de seus laços familiares e escolares. Bisa
Bia, Bisa Bel é um fiel retrato sobre a percepção dos costumes extintos para
uma modernidade que se extinguirá também com seus hábitos de maneiras e
linguagens. Tudo contado de forma lúdica e pedagógica por Ana Maria Machado,
que faz as meninas mais sensíveis derramarem lágrimas com essa tão envolvente
narrativa.
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