domingo, 25 de dezembro de 2016

Comentando o filme Aquarius, de kleber Mendonça Filho

Sônia Braga em cena do aclamado Aquarius
    Tive receio em assistir Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, devido o posicionamento (assertivo) do filme perante  o caótico contexto político brasileiro. A questão que me perturbava era: Será que o filme, apesar de falar sobre resistência, não é significativo o suficiente para falar por si? Não é artístico o suficiente para não precisar denunciar o golpe? Foi um descarado golpe sim! Mas e os prêmios ganhos pelo diretor e pela atriz principal? Estas e outras questões me instigavam a conferir a obra para formar uma opinião livre de tanto julgamento alheio.
    Não estava de todo errado, Aquarius fala de resistência mas, o que salta na tela é a criatividade do diretor em mostrar uma grande personagem feminina, Clara, interpretada de forma magnífica por Sônia Braga. Basicamente o roteiro é sobre uma senhora que resiste bravamente às investidas de uma construtora em comprar o seu apartamento,único que falta  ser vendido no Edifício Aquarius. Ao passo que vamos conhecendo Clara, entendemos porque ela não quer se desfazer do apartamento. Clara sobreviveu a um câncer no passado e hoje é aposentada, mãe de três filhos, viúva e avó. Ela segue sua rotina quase como um ritual, morando com sua empregada de décadas, Ladjane. Outra grande característica da personagem é que ela é uma senhora muito culta, inclusive, sendo convidada a dar entrevistas onde fala sobre seu apurado gosto musical.
    Aquarius é construído assim como a obra anterior de Kleber, O som ao redor, entretanto, os recursos inerente a ambos aqui falam mais alto: As fotografias em preto e branco do início já denunciam tratar-se de um filme de memória; a caracterização do começo dos anos oitenta é excepcional; a divisão em capítulos também é outro detalhe importante dos filmes do diretor pernambucano. Esses aspectos, artísticos, permitem ao filme falar por si só, ou seja, é um filme de arte, devido as características como fotografia, atuação, roteiro, etc, trazerem potencial digno de reconhecimento em festivais mundo a fora. Todavia, seria ingenuidade minha não reconhecer o viés político de Aquarius, uma obra fruto do nosso conturbado tempo. O filme é uma convincente crítica ao capitalismo selvagem que ignora o fator humano. O indivíduo e sua história afetiva, doravante Clara não se desfaz de seus discos de vinís apesar da praticidade que é ouvir música em celulares, hábito que ela também possui.
    A personagem de Sônia Braga é apaixonante por ser uma mulher extremamente humana, família, inclusive convivendo com sua empregada como se fosse membro dela, como vemos na cena em que Clara canta e toca ao piano no aniversário de Ladjane. Ressalto que não conhecia a música cantada em aniversários de Aquarius, deve ser algo característico de Pernambuco, local onde se passa o filme. Já o personagem antagonista, vivido por Humberto Carrão, pouco aparece, embora em suas poucas cenas já destila um cinismo insuportável que nos faz esquecer que ele é o mocinho da atual novela das 21. 
   
Não posso deixar de falar que Aquarius é um tapa na cara da sociedade sim, para aquelas pessoas que se acham acima da lei, que discriminam as minorias, que não acreditam nos ideais esquerdistas, por exemplo: na cena do exercício na praia onde aparecem uns três garotos morenos, as pessoas tendem a pensar que se trata de arruaceiros, de assaltantes, entretanto o grupo se junta aos que estão se exercitando. O mau sujeito é um branquinho playboy, sujeito traficante como denuncia o salva vidas, vivido por Irandhir Santos, para Clara. Nas cenas finais do filme o racismo se faz presente na fala do antagonista. E é assim mesmo em filmes de Kleber Mendonça Filho, as situações vão se encaminhando pra uma sufocante tenção que culmina nos segundos finais.
 

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