Criolo e as rimas de esperança de "Ainda há tempo" |
Um dos álbuns
nacionais lançados neste ano que muito escuto é “Ainda há tempo”, do Criolo. Na
verdade, trata-se de um relançamento, o álbum fora lançado há dez anos atrás,
época em que o rapper designava-se Criolo Doido. O relançamento desse trabalho
deve-se ao fato de Criolo ter se tornado grande nome da música brasileira após
a ótima recepção de “Nó na orelha” em 2011 e pelo o sucessor “Convoque seu Buda”
em 2014, ou seja, o álbum de 2006 era conhecido apenas pelos fãs mais antigos,
aqueles do tempo em que Criolo não tinha expandido suas fronteiras musicais, mantinha-se
fiel ao rap tradicional e se apresentava nas rinhas de MC's, eventos geralmente restritos a adeptos do gênero.
Apesar de “Ainda há
tempo”, versão 2016, conter apenas oito faixas, muito menos que o álbum de
2006, ele traz o essencial do Criolo em seu início, na periferia da Zona Sul Paulistana.
Seria injusto que o público que acompanha o músico desde o sucesso de “Não
existe amor em SP”, não tomasse conhecimento das pérolas musicais do Criolo das
antigas. Certamente, alguns desses fãs das antigas preferem as versões do álbum
original às novas versões super produzidas por feras da cena. Na verdade, não
precisa ser fã de rap para gostar de Criolo, suas rimas são carregadas de
humanidade, ou seja, verdadeiras filosofias de vida extraídas de uma realidade
hostil, marcada pelo abandono que são as periferias de uma grande cidade. Muitas
frases de Criolo ecoam em nossa mente e no álbum “Ainda há tempo” não falta
material para isso: a própria faixa título já expressa a ideia de esperança, de
uma crença de que a humanidade tem jeito, por mais que a realidade nos mostre
tantas atrocidades e desrespeito à vida. Se
tem um artista que merece o título de “grande pensador contemporâneo”, esse
alguém é Criolo. No referido álbum, as rimas criativas versam sobre ele ter encontrado
sua salvação no rap, uma vez que muitos jovens acabam sucumbindo para o mundo
do crime já que faltam oportunidades na periferia. Exemplo maior do poder de
humanização da arte! Criolo no palco expurga suas convicções, expõe suas
memórias e abre o coração, não raro o amor materno consta em suas rimas: “Eu
respeito, ah como eu respeito/ amor de mãe não se escreve, aí não tem defeito/
seria tão bom se a mãe da gente não sofresse/ não ficasse doente e também não envelhecesse.”
São versos da canção “É o teste”, faixa que abre o álbum e uma das melhores
letras do rapper. Os recados são inúmeros: “Procure ser feliz, pobreza não é
derrota”; “O que penso família, ainda nela acredito” e claro, o refrão: “É o
teste, é o teste, é a febre, é a glória/ não se corromper pra nóis já é
vitória.” Não posso esquecer de destacar a faixa “Vasilhame”, especificamente a
mudança de um verso que Criolo, numa atitude humilde, reconhece que certas palavras
ofendem e por isso alterou um verso considerado homofóbico: “os traveco tão
ali, alguém via se iludir.” Na versão repaginada ficou: “O universo tá ai,
alguém vai se iludir.” A faixa em questão versa sobre o abuso do álcool e o
quanto isso pode ser prejudicial a saúde e favorável apenas aos donos das
empresas de bebidas. Retomando o tema da homofobia, Criolo disse, certa vez,
não me atenho ao contexto, uma das coisas mais certeiras dessa vida: “até parece
que ser gay é defeito”. Seria bom se muitos artistas fossem tão bons no que fizessem e também fossem tão humanistas como Criolo, mas “ainda há tempo”!
Caro Eduardo, boa leitura do Album do "Ainda há tempo"! Ainda não ouvi as faixas do Criolo. Mas algo é fato; Criolo além de estimular críticas reflexivas em suas músicas, a impressão que temos é que o "amor que falta em SP" é um amor que não existe em lugar nenhum, isto é, cabe esperança na vida ? São filosofias comendo outras filosofias (arremedando Clarice).
ResponderExcluirOlá, Íthalo, pergunta difícil, mas procuro não pensar nas possíveis respostas porque tenho tendência a ser muito pessimista e continuar vivendo (ainda mais) sem tentar tomar partido de nada por não entender mesmo o ser humano.Já que você citou Clarice:"Ser leal não é coisa limpa... ser leal é ser desleal para com todo o resto."
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