Trilogia: a versatilidade romanesca |
Trilogia
do Desejo é a coletânea que agrupa os três primeiros romances do escritor
piauiense Roberto Muniz Dias, são eles: Adeus a Aleto, Um buquê improvisado e Urânios.
Geralmente, essas obras estão relacionadas a literatura Queer, ou literatura
LGBT, uma vez que a temática homoafetiva é recorrente na ficção criada por
Roberto Muniz Dias. Entretanto, a leitura atenta de Trilogia do desejo revela
inúmeras possibilidades de categorização dessa literatura, ou seja, as estórias
não se restringem as aventuras, descobertas das personagens, homossexuais ou não, fatos
extraordinários ou coisas desse gênero,
mas importa, sobretudo, nas narrativas de Roberto Muniz, a concatenação das
memórias com os recentes “estados d’alma”
dos seus protagonistas. Doravante, uma série de referências são
inseridas na narrativa corroborando para o hibridismo do texto, ou seja,
mitologia grega, trechos de canções populares, cânones literários, entre outros aspectos,
surgem num fluxo de consciência que acentua a incessante busca da “verdade” de
seus personagens.
Adeus
a Aleto
No
romance de estreia de Roberto Muniz Dias, acompanhamos um protagonista,
escritor, em sua estadia pela Europa divulgando sua obra, e claro, entregando-se
aos encantos e prazeres das noites de Amsterdã, entre vinhos e a companhia de
um misterioso jovem chamado Nikov. Quem seria Nikov? Um turbilhão de dúvidas se
faz na mente do protagonista. As luzes, os sons, toda uma atmosfera de suspense
perpassa nas páginas de Adeus a Aleto. Um escritor dividido entre os prazeres
noturnos e a fertilidade da criação literária, eis o dilema do protagonista sem
nome de Adeus a Aleto.
Um
buquê improvisado:
Talvez
seja o romance mais palatável de Roberto Muniz Dias, por conter os ingredientes
de uma boa ficção literária, ou seja, dramas, aparente linearidade, personagens
cativantes, antagonistas de causar revolta, sobretudo, a problematização do
conceito religioso, ou seja, a maneira como o cristianismo serviu de forte
influência na construção da personalidade e fomentação da cultura a qual
pertencemos: maniqueísta, preconceituosa e preocupada com o ideal
heteronormativo. A pungência de Um buquê improvisado é ampla por minar o grupo
social que é a família, ou seja, a noção de família é problematizada através
das personagens que se veem inseridas enquanto “estrutura tradicional” da
sociedade, quando justamente essa noção está sendo posta em cheque pelo
protagonista J. em meio sua presente situação e a descoberta de fatos
importantes sobre seu pai.
Urânios
Nesse
romance, de forte tom intimista, o leitor é apresentado a um “relato de amor e
morte, mas nada póstumo porque tudo já estava morto: o amor, o tempo e a
identidade.” Este relato trata-se de uma experiência poliafetiva, ou seja, um
jovem junta-se a um casal de namorados, numa entrega movida por impulsos
sexuais, narrados de forma sublimes, contidas, sem jamais extrapolar para
vocabulários pejorativos, uma vez que seu estilo narrativo prima pela sutileza,
puro lirismo. Doravante, é problematizada essa modalidade amorosa, através do
protagonista de posse da pintura de um galo colorido, herança que insiste em
avivar as lembranças do trio amoroso. Disposto em capítulos que se alternam,
esse romance aborda, a priori, a construção da identidade do protagonista- o
presente e o passado, a gênese, e também corresponde ao retrato fiel da
contemporaneidade, no qual os relacionamentos amorosos não mais se restringem
às normas do século passado. É o carácter libertário que a boa literatura
proporciona. É a Trilogia do desejo dando o grito de liberdade que é desejo de
todo indivíduo que se permita pensar e viver com autonomia.
Sem palavras, mas cheio de muitas emoções.
ResponderExcluirObrigado pelo compartilhamento de análise tão singela, quanto profunda.