sábado, 27 de agosto de 2016

Comentando "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes telles

Edição da Companhia das letras
   Seminário dos Ratos é um livro de Lygia Fagundes Telles lançado em 1977. Dentre algumas curiosidades acerca do lançamento dessa coletânea de contos, a autora foi entrevistada por ninguém menos que Clarice Lispector, esta, logo deu o veredicto: “já comecei a ler e me parece de ótima qualidade”. São contos extraordinários,  não raro Seminário dos Ratos consta em várias listas de “os essenciais da literatura brasileira”.
    Em Seminário dos ratos, Lygia utiliza-se de temas universais para problematizar diversas emoções e escava com afinco os mais profundos sentimentos. Não por acaso a loucura aparece em dois contos, embora por abordagens distintas o que corrobora para a pluralidade de ideias. Em “A consulta”, Lygia lança mão de certa dose de humor para narrar um episódio ocorrido num hospício. Basicamente, nesse conto, o Doutor da instituição ao verificar certa melhora num dos pacientes, pede que este o substitua, pois precisará ficar ausente por algumas horas. Justamente num dia em que a secretária faltou. Como diz o ditado “missão dada é missão cumprida”, Maximiliano,o paciente, aceita. Entretanto, uma consulta que estava marcada num horário que certamente o Doutor já haveria retornado, acaba sendo adiantada, por desespero do paciente. E o que Maximiliano faz? Adianto, sem entregar muito do conto, que após a conversa com o paciente desesperado, que a noção de loucura pode cair por terra, uma vez que, após o retorno do verdadeiro Doutor, ocorre o seguinte diálogo:
- Ótimo, Max. Você vai indo muito bem, o progresso que fez. Estou muito satisfeito.
-Eu também.
-Falta apenas o último passo, você sabe, assumir sem possibilidades de retrocesso. Então estará curado.
Maximiliano sorriu. A voz saiu mansa, num quase sussurro, “curado e fodido”. (p. 149-150)
   Já o no conto WM a loucura é apresentada de forma bem mais perturbadora. A narrativa é feita em primeira pessoa (ai desconfiança!) e abarca o núcleo familiar composto por uma mãe e um casal de irmãos, o moço é o narrador. À medida que vai desenrolando os aspectos da família e sua loucura reinante – o primeiro espaço apresentado é um consultório psiquiátrico- ao passo em que discorre sobre uma obsessão em marcar as iniciais WM em todos os lugares e sobre a dificuldade que teve em aprender escrever o W. A mãe é uma artista perfeccionista e neurótica, impacientava-se com o assédio, mas reclamava quando era ignorada. E ao que parece a loucura é tão presente em nossa vida, o quanto é fácil aprender uma letra que é apenas uma outra  ao contrário (WM). É um conto de difícil compreensão, não se pode apegar-se a uma aparente simplicidade, pois segundo o personagem- narrador: “O silêncio ajuda a abrir o intricado caminho aqui dentro por onde vou descendo até o fundo, para ajudá-la, preciso eu também descer aos infernos.” (p. 87) Portanto, muita atenção à entrelinha e a qualquer detalhe desse texto.
   Os textos mencionados acima são apenas dois de que mais gostei de Seminário dos ratos. Certamente, um conto muito conhecido é “Pomba enamorada ou uma história de amor”, onde uma jovem sofre um amor não correspondido e apela pra tudo quanto é crendice ou truque comum pra chamar a atenção do amado, um sujeito bruto e estúpido. Nessa narrativa o humor é uma constante, o que explica o destaque dado a este texto. Também as agruras da velhice, uma paixão de uma menina por um primo, a visita noturna de formigas num quarto de pensão, dentre tantos enredos excelentes, dão a tônica desse singular livro de Lygia Fagundes Telles que é encerrado pelo conto que intitula a obra.


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