domingo, 12 de junho de 2016

Comentando "Antes do Baile Verde"

Edição recente da coletânea
      Antes do Baile Verde figura entre as principais obras de Lygia fagundes Telles. Na coletânea de contos, o leitor é apresentado a uma gama de personagens diversos que vão do motorista de caminhão a músicos, estes, incluindo saxofonistas e cantoras de óperas, dentre tantos outros tipos comuns como casais de namorados em crise, ou mesmo familiares em conflito.
Os contos de Lygia aparentemente soam simples, apesar da sofisticação da autora que já introduz o leitor na atmosfera do texto, ou seja, esqueça uma introdução comum ao que se espera da contação de estória. Assim como Clarice Lispector, entender, pegar a linguagem de Lygia requer a releitura do texto. Os conflitos humanos são comuns, entretanto sob a "pena" da escritora toma dimensões impensáveis, as mais surpreendentes. Talvez pela disfarçada sondagem psicológica de algumas personagens, que por vezes são apresentadas em forma de obsessão, como no conto A janela, texto onde uma personagem, inserida num quarto fita a janela e, num tom  obscuro, rememora um passado onde avistava-se uma roseira daquela janela. Insere-se ai, um quê de suspense, um homem "estranho" parecendo evocar um luto e sua interlocutora, a dona do quarto, a agir com naturalidade. Esse suspense é narrado com a maestria característica da autora que termina o conto de modo coerente com o restante da narrativa, aliás, esta é só uma das opções de terminar bem um conto. Também nos textos com finais em aberto, por exemplo, o conto que nomeia a coletânea, o resultado é mais instigante ainda, meio que cinematográfico, pois imediatamente ao terminar a leitura do conto, visualizei (involuntariamente) as lantejoulas rolando pela escada. Que poder literário tem Lygia!
Bem, já que falei do conto, Antes do Baile Verde, acrescentando mais sobre o mesmo, ressalto que foi um dos textos premiados da autora. Basicamente, temos uma patroa com sua empregada envoltas com os preparativos da fantasia que Tatisa, a patroa, usará no baile verde de carnaval. Aliás, a patroa é uma moça mimada, fútil, o que se percebe no fato de ficar a toda hora acelerando Lu, sua empregada, para que termine com a fantasia. O pior, é que no quarto ao lado está o pai de Tatisa agonizando. Motivo que eleva a tensão no (do) conto a proporções insanas. Tatisa não quer perder o baile por nada, tenta convencer sua empregada a passar a noite com o pai, mas até onde vai seu direito de patroa? E o amor filial? Não teria, sua empregada, o mesmo direito de ir ao baile? Há horas em que Tatisa expõe sua arrogância, dirigindo-se à empregada: "Ih, como é difícil conversar com gente ignorante." Em suma, o conto abarca questões tanto sociais quanto psicológicas, tendo em vista o ethos das personagens, a patroa soberba e a empregada vulgar, esta que bebia cerveja e tinha um namorado de nome Raimundo.
Seria tarefa difícil escolher quais os melhores contos de Antes do Baile Verde, todo texto de Lygia exerce tamanho fascínio, ou seja, sua criatividade emana da entrelinha, da aparente banalidade descrita que descamba para um segredo maior, em alguns casos para enredos fatais, sombrios como por exemplo, "Venha Ver o Pôr do Sol, conto no qual evoca um Edgar Allan Poe sem igual. Outros textos abarcam o alento, ao qual a maioria dos indivíduos se agarram para prosseguir ante os infortúnios e as incertezas, como em Natal na Barca, texto pungente também, e inquietante. Não é a toa que Lygia figura ao lado de Clarice, Hilda Hilst, dentre outras grandes escritoras brasileiras.

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