segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O amor em tempos de guerra

A obra em sua 2° edição
Marcelino Freire é um dos escritores mais notáveis da atualidade. Vencedor de prêmio Jabuti; organizador da balada literária; dono de um estilo o qual alguns chamam de “transgressor”, enfim, tendo em vista a obra Amar é crime, torna-se notório a importância de sua escrita no cenário da literatura brasileira, uma vez que sua obra agrupa-se, devido à temática, ora  à literatura queer, ora  à literatura de denúncia social, ou ambas citadas.
A marginalidade, o abjeto, o profano, são matéria prima farta na prosa freiriana. Marcelino traz a voz das periferias das grandes cidades. Locus “preferido” dos crimes sejam passionais, ou de outra ordem. O conto “crime” se encarrega disso, aliás, bem mais que isso: a personagem desse texto relata à mãe um plano mirabolante para se vingar da namorada. Num ritmo frenético, onde discorre sobre as atrocidades que faria com a refém, sua namorada, o plano vai se tornando cada vez mais ambicioso à medida que a visibilidade deste aumenta, ou seja, com a chegada de vizinhos, parentes e finalmente, tomando conta dos principais noticiários do país: “(...) mãe, eu vou ficar famoso, vem o SBT, a Record, a Rede Globo, a polícia no meio do esgoto, no megafone, me chamando, Roni, Roni, Roni, rá, aqui é o capitão...” (p.57) Lançando mão da oralidade, característica da prosa freiriana, “Crime” abarca o aspecto provocativo de Marcelino, seja visando os aspectos linguísticos, oralidade, humor corrosivo, etc, seja pelo enredo surpreender: no referido conto a personagem decide expor, a partir do seu crime a calamidade na qual se encontram os marginalizados pela sociedade: “ (...) eu vou aproveitar todo o acontecimento pra falar da sacanagem, da falta de educação, de saneamento, do desmoronamento, da chuva quando vem e molha e engole o povo... eu quero que o governador apareça,...” (p.57) No entanto, a imprevisibilidade narrativa, outra marca de Marcelino, ainda reserva “sarcásticas” surpresas ao final de “Crime”, é ler pra amar, digo pra crê.


As personagens de Amar é crime são, em sua maioria, o negro marginalizado, o homossexual, a travesti, a garota de programa, etc. A ritmada prosa freiriana, encarrega-se de dar a voz aqueles a quem a sociedade (outrora?) deu as costas. Por isso a urgência em que são apresentadas; devido à opressão, os sentimentos são defendidos com unhas e dentes, posto que “amar” não chega ao entendimento de muitos, o que acarreta no combate: o crime, a desordem, posto que amar é superar as mazelas do próprio indivíduo, da mesquinhez humana. Aliás, esses textos acabam por soar irônicos: como amar em meio ao caos dos nossos dias? Amar é crime, configura um fiel retrato do nosso conturbado tempo. Mas nem tudo está perdido, é preciso olhar para as margens, para aqueles que buscam o mínimo que uma vida digna possa oferecer. Eis, em Amar é crime, uma literatura não só de entretenimento, mas de denúncia e quiçá, de esperança. 

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